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sexta-feira, 8 de agosto de 2008

AS ORIGENS DA LÍNGUA PORTUGUESA

A língua falada é uma das principais ferramentas da expressão cultural de um povo. Nossa língua portuguesa possui uma origem bastante curiosa e, para conhecê-la, é necessário compreender um pouco da história da formação de Portugal.

O Império Romano chegou a dominar quase todo o mundo conhecido no século 3; era dito que desde onde o Sol nascia até onde ele se punha pertencia a Roma. Todas as terras em volta do mar Mediterrâneo eram controladas pelos soldados romanos ou centuriões, como eram chamados aqueles guerreiros.

A Península Ibérica, onde hoje está Portugal e Espanha, era ocupada originalmente pelos povos iberos, que falavam uma variedade de dialetos locais. Com a ocupação romana, muita gente das camadas sociais mais simples de Roma migrou para a Península Ibérica. Eram operários, comerciantes e soldados, que falavam o latim mais vulgar, diferente daquele falado pela aristocracia e pelos literatos romanos.

Toda cultura mais forte impõe naturalmente certo grau de influência sobre as expressões culturais de um povo menos poderoso em força bélica e dominado, como aconteceu entre brancos e índios, e ainda acontece entre o Brasil e os EUA, pelo menos no campo da dominação econômica e da dependência científica e tecnológica. Sendo assim, o latim vulgar foi amplamente imposto e difundido por toda Península Ibérica, e é a base principal da formação do português falado hoje. A palavra vírgula, por exemplo, é uma união do termo latino "VIRG", que quer dizer vara e, seguido do sufixo "ULA", equivalente ao nosso diminutivo inha, forma a expressão "VARINHA" ao pé da letra. Eis um lote das conhecidas varinhas: ,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,.

Outra palavra da língua portuguesa com origem curiosa no latim vulgar é pílula. Formada pela união entre o termo "PIL", que representa bola, e o diminutivo "ULA", a palavra nomeou nossas "BOLINHAS" tão ingeridas no dia-a-dia como vitaminas, remédios e anticoncepcionais.

Em 300 anos após a invasão romana, a Península Ibérica quase inteira falava uma derivação local do latim vulgar, chamada de Romanço. A única exceção ocorreu numa região montanhosa ao norte da Espanha, chamada de Vascongada, perto da divisa com o sul da França. Ali, até hoje vive o povo original ibérico chamado de basco. Os bascos conseguiram manter sua cultura geral e sua língua preservadas da tão forte influência romana, tendo inclusive influenciado de forma significativa o vocabulário da língua portuguesa com algumas palavras: cama, esquerdo, bizarro e modorra são palavras cuja origem deriva do dialeto basco.

Ainda hoje, em pleno século 21, os bascos usam seu braço armado, o grupo separatista basco ETA, com atividades de ação terrorista em muitos casos, para reivindicarem sua separação da Espanha.


A Península Ibérica na parte inferior do mapa, formada pela Espanha, em verde, e Portugal, em Branco, tem ao norte o pequeno território basco em destaque, que se estende até regiões do extremo sul da França, em vermelho

Embora o latim falado pelo povo tenha sido a principal base de formação do idioma português, nossa língua recebeu, em sua formação, a influência lingüística de outras etnias além dos romanos.

No século 5, os bárbaros germânicos ou escandinavos invadiram a Península vindos do norte. Os germânicos originaram o que hoje é o povo alemão e seus vizinhos no norte da Europa. Suas atividades principais naquela época eram a guerra e a pilhagem dos bens de outros povos.

O germânicos ocuparam toda a Península Ibérica por quase 300 anos e, embora as raízes das influências romanas tenham prevalecido, o vocabulário dos bárbaros contribuiu com muitas palavras que falamos em português hoje: guerra, brandir, gastar, esgrimir, luva, banir, bradar, escaramuça, franco, galope, roubar e trepar são alguns exemplos que mostram, quase sempre por meio da presença rascante do "r" ou "rr", a expressão da natureza violenta e selvagem das raízes germânicas no vocabulário daquele povo dominado cuja expressão falada originou o nosso português.

No século 8, os árabes chegaram à Península Ibérica depois de cruzarem os 14 quilômetros e meio do Estreito de Gibraltar, que separa o sul da Espanha do norte do Marrocos. A ocupação árabe teve início em 711, com a vitória na Batalha de Guadalete.

A Península Ibérica foi quase toda dominada, e os árabes só não exerceram influência sobre as regiões montanhosas da Cantábria e das Astúrias, no extremo norte da Península, onde um pequeno reino católico de resistência se estabeleceu.

Nas Astúrias, uma caverna abrigava o rei e servia como templo de Cristo. Os cristãos desciam as montanhas de repente para atacarem os acampamentos árabes nas planícies. Esses ataques deram origem à Guerra da Reconquista, e foram empurrando os árabes de volta para o sul, até a expulsão total no século 15, em 1492.

Caverna que abrigou os cristãos nas Astúrias, localizada em Covadonga, ao noroeste da Espanha. Os cristãos levaram com eles uma imagem da Virgem Maria na ocasião em que se refugiaram na caverna. A vantagem numérica dos árabes não lhes adiantava muito, pois era difícil penetrar na estreita entrada da gruta ...

Durante a batalha, diz a lenda que houve um terremoto e parte da montanha desabou, soterrando um terço dos árabes em combate. O triunfo em Covadonga, no ano de 718, foi a primeira vitória do cristianismo ibérico sobre os árabes invasores, e marcou o início da formação da Espanha. No local da entrada da caverna, há atualmente um santuário dedicado à Virgem das Batalhas.


Foram quase 7 séculos de ocupação árabe, período em que muçulmanos e cristãos conviveram juntos, mas não se misturaram, principalmente por causa da diferença religiosa. O Romanço permaneceu falado pelos cristãos, embora os árabes tenham influenciado na formação da língua portuguesa com muitas palavras: alambique, álcool, alfaiate, azul, armazém, fatia garrafa e xarope são algumas delas.

Outro sinal marcante da cultura árabe presente na Península pode ser observado nos tradicionais panos que as portuguesas usam sobre a cabeça durante suas danças folclóricas lusitanas. A viola e o pandeiro trazidos pelos portugueses e tão abrasileirados por aqui posteriormente, também têm origem na presença da cultura árabe na Península Ibérica.



Além da influência na formação da língua portuguesa, os traços da cultura árabe podem ser notados na vestimenta e ...



na dança do folclore português



Outra marcante influência árabe na Península Ibérica pode ser observada na arquitetura, como neste prédio à direita da foto, localizado em Toledo, na Espanha e ...


nesta ponde em Alcântara, também na Espanha



O francês Henrique de Borgonha atuou de forma intensa e significativa na Reconquista, liderando a expulsão dos árabes do Reino da Galiza, que tinha o norte de Portugal em suas terras. Por isso, o rei de Leão e Castela, Afonso VI, presenteou o infante francês com a mão de sua filha Catarina de Aragão e as terras do Condado de Portucale, que deu origem ao território atual de Portugal.

Falado por grupos étnicos com tradições e costumes tão diferentes dentro da Península, o Romanço sofreu variações e adaptações distintas em muitas regiões, dando origem ao galego-português, onde hoje é Portugal, e ao castelhano em toda Espanha, com exceção do nordeste daquele país, onde se fala o catalão, que é bem parecido com o castelhano, mas definido como uma expressão lingüística à parte.

A expansão marítima portuguesa em busca de novos pólos para comércio teve início no século 15, e difundiu a língua falada em Portugal por países de todo o mundo, como Brasil, Angola, Cabo Verde, Moçambique, Guiné-Bissal e até Macau, na China.

No Brasil, a língua portuguesa ainda recebeu a influência dos dialetos falados pelos escravos africanos, de onde derivam palavras como moleque e quitanda, entre outras.O tupi-guarani, falado pelos índios que aqui viviam, foi outro dialeto que contribuiu com palavras para o vocabulário português brasileiro: mandioca, mingau, guri e abacaxi são alguns exemplos.

O português falado no Brasil recebeu algumas influências não observadas em Portugal, o que ocasionou algumas diferenças em formas de expressão da língua falada nos dois países. Uma delas está no uso do nosso gerúndio (saindo, andando e subindo), que não é aplicado em Portugal, onde é dito estou a sair, estou a andar e estou a subir. Nós brasileiros costumamos dizer que vamos entrar no fim da fila; já os lusitanos caminham até o rabo da bicha, onde entram.

Nossa identidade, nossos costumes, nosso folclore, nossa culinária, nossa religião, nossos valores e nossa cultura em geral só existem graças a nossa rica língua portuguesa, que é o principal agente unificador, promotor e propagador de tudo o que é nosso, ou seja, nossas mais variadas expressões do dia-a-dia através dos tempos.


Cássio Ribeiro.

sexta-feira, 1 de agosto de 2008

O GUARDIÃO DO FORTE ORANGE

Nossa história começa com um nome: José Amaro de Souza Filho; e uma sentença: 20 anos de prisão por homicídio, decretada em 1970.

Zé Amaro, como é conhecido na Ilha de Santa Cruz do Itamaracá, a 50 quilômetros de Recife, é pernambucano, mora, toma conta e cuida do Forte Orange, que é uma belíssima fortaleza construída pelos holandeses em 1631, um ano depois de invadirem Pernambuco.

A história de Zé Amaro se liga a do Forte Orange de forma muito curiosa. Levado à Casa de Detenção do Recife, em 1970, para começar a cumprir sua pena por homicídio, Zé, que nunca tinha ido à escola, aprendeu a ler e escrever com outro detento na prisão.

Depois de um ano preso, a Casa de Detenção do Recife foi fechada e Zé Amaro transferido para a Penitenciária Agrícola de Itamaracá (P.A.I), em 1971.

Como era um prisioneiro com bom comportamento e apresentava senso de cooperação, além de desempenhar a atividade artesanal entalhando peças de madeira, Zé Amaro foi selecionado junto com outros 39 presos para formar uma equipe de limpeza do Forte Orange, que seria restaurado pelo Exército Brasileiro entre 1971 e 1973.

Zé Amaro e os outros presos capinaram, tiraram o lixo e recolheram os cocos verdes da antiga fortaleza. Foi nessa ocasião, já no primeiro encontro com o Forte, que Zé Amaro apaixonou-se pela construção histórica: “Eu dizia a todo mundo que quando deixasse a cadeia eu ia morar no Forte e tomar conta dele. Fiquei encantado. Naquele dia resolvi que faria de tudo para passar o resto da vida no Forte”, relembra Zé Amaro.

Na ocasião do primeiro encontro com o Forte Orange, Zé Amaro fez uma promessa para Nossa Senhora da Conceição: se fosse possível viver ali, passaria um ano acorrentado a uma bola de ferro.


Zé Amaro: amor ao Forte Orange à primeira vista


Três anos depois, em 1974, a promessa de Zé Amaro parecia ainda não ter surtido efeito. O detento foi transferido de presídio e seu contato com o Forte Orange foi interrompido. Sendo assim, Zé Amaro dedicou-se exclusivamente ao artesanato, fabricando peças entalhadas em madeira.

Os trabalhos artísticos e o bom comportamento mais uma vez renderam ótimas referências de Zé Amaro com as autoridades policiais.

O Preso foi convidado para participar de uma exposição artística no Paraguai, ainda na década de 70: “Eu fui o primeiro preso a sair do Brasil sem escolta”, conta Amaro, que na ocasião da viagem enfrentou protesto de outros detentos, que apostaram que Zé não voltaria mais ao Brasil.

Porém, ao fim da exposição paraguaia, Zé Amaro voltou ao presídio motivado a continuar o trabalho artístico com esculturas. Passou a ensinar a arte de esculpir e entalhar madeira a outros detentos. Algumas pessoas doavam madeira para que ele pudesse desenvolver as oficinas e a criação das peças que foram exibidas em várias exposições pelo Brasil.

Com a atividade artesanal e os trabalhos com os outros presos, Zé Amaro conseguiu obter das autoridades a redução de sua pena e, após ficar preso 8 dos 20 anos totais de sua sentença, adquiriu a liberdade condicional, em 1978.

Com a liberdade, Zé Amaro viu novamente vivo o sonho de viver no Orange. Pediu permissão ao Exército para morar no Forte, e se comprometeu a limpar e restaurar a fortaleza dentro das limitações de seus recursos próprios.

A permissão para viver no Orange foi concedida, porém, a nova moradia, sem água encanada, energia elétrica e estrada de acesso, não apresentava um mínimo de conforto.

Zé Amaro encontrou um depósito de lixo a céu aberto, que servia de esconderijo para marginais. No meio da sujeira, Zé achou uma antiga bala de ferro usada pelos holandeses nos canhões que repeliam as embarcações que se aproximavam da costa de Pernambuco.

A promessa feita para Nossa Senhora da Conceição pôde ser paga. Com o auxílio de um tipo de algema e uma corrente, Amaro prendeu a bala de canhão pouco acima do tornozelo direito, e a arrastou por um ano, até que conseguiu limpar todo o Forte Orange: “Na ilha, todos me chamavam de maluco do forte, de doido. O povo achava que eu era um fantasma. Eu vivia como um ermitão. Sofri muito preconceito; além de ‘maluco’, eu era ex-presidiário”, recorda Zé Amaro.

Amaro tinha apenas uma enxada para limpar o matagal. Aos poucos, as ruínas foram novamente ganhando jeito de monumento histórico de verdade.

A recuperação do Forte Orange era financiada com o dinheiro das vendas das peças de madeira e das esculturas produzidas nas oficinas que Zé Amaro continuou realizando com os amigos presos, mesmo depois de ter saído da cadeia.

A renda gerada pela venda do artesanato era modesta, porém, suficiente para ser aplicada na iniciativa de restauração do monumento histórico.

Depois do Orange limpo e sem a bala de canhão amarrada ao pé, Zé Amaro sentiu a necessidade de arrecadar recursos para uma restauração mais profunda na fortaleza histórica, e foi à Brasília: “Era 1991, mas o presidente Collor não me recebeu e seus assessores não deram ouvidos ao que eu disse”, afirma Zé Amaro, que não desistiu, e foi à embaixada da Holanda, onde foi orientado a criar uma fundação.

Em 1994, Zé Amaro e a esposa Gilsilene Souza abriram a Fundação Forte Orange: “Com a Fundação, o governo holandês liberou um dinheiro e o Forte pôde ser restaurado por inteiro, com a construção de banheiros e do portão”, diz Zé Amaro.

Em 1996, apesar de ter concretizado seu sonho, Zé Amaro passou a viver um tormento. O Instituto Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e a Prefeitura de Itamaracá decretaram o Forte patrimônio nacional e Zé Amaro foi despejado do local, então já aberto à visitação pública.

Zé Amaro não desanimou e foi ao então ministro da Cultura, Francisco Weffort, e relatou sua história: “Quando terminei de falar, ele me deu a autorização para continuar a trabalhar no forte e me ofereceu uma casinha ao lado da fortaleza, onde moro até hoje. A casa é até jeitosa, mas do meu gosto eu queria estar lá dentro do forte”, afirma Zé Amaro.




Construído em 1631, o Forte Orange também serviu como prisão de frades portugueses avessos à implantação do calvinismo holandês no nordeste brasileiro. Com a expulsão dos holandeses de Pernambuco em 1654, o Forte foi reformado pelos portugueses para proteger a cidade vizinha de Igaraçu. Os lusitanos também rebatizaram o forte com o nome de Fortaleza de Santa Cruz do Itamaracá, porém, o novo nome nunca pegou, tendo o nome dado pelos holandeses, Forte Orange, permanecido até os dias atuais.


No interior do Forte, há uma loja de venda dos artesanatos feitos por Zé Amaro. Há também uma capelinha e um museu com verdadeiras relíquias encontradas em escavações no local. São peças dos tempos das ocupações holandesa e portuguesa (balas de canhão, crucifixos e artefatos de ferro). Para chegar à ilha de Itamaracá (“pedra que canta” em tupi) o visitante deve seguir pela BR-101 no sentido norte até Igaraçu. A partir daí, pega-se a estrada PE-35. A ilha é ligada ao continente por uma ponte sobre o rio Jaguaribe, e fica a 50 quilômetros de Recife. O Forte fica aberto diariamente, das 8h às 17h.

Deitado em uma rede armada embaixo da sombra de um pé de jamelão plantado por ele mesmo, Zé Amaro, que é conhecido na ilha como “O Guardião do Forte”, controla os barraqueiros e fiscaliza o turismo ao redor do Orange, além de tomar conta do mangue e se exaltar com quem joga lixo onde não deve.

Depois da ordem de despejo, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) deu a Zé Amaro uma medalha de honra ao mérito, em dezembro de 2002.

Zé Amaro, que dos 65 anos de vida dedicou 29 para cuidar do Forte Orange, confessa a vontade de viver muito tempo ainda no local. Ele diz que em suas orações pede para não morrer logo a fim de poder continuar tomando conta da fortaleza e viver na ilha de Itamaracá: “Eu não posso me separar da ilha porque sou uma parte do Forte Orange. Eu sou uma pedra do Forte e não posso sair dali. Escolhi a ilha para morar e com fé em Deus vou viver muitos anos ali. Dei minha vida para aquele lugar e não me arrependo. Faria tudo de novo sem pestanejar”, afirma Zé Amaro.

A trajetória do ex-presidiário Zé Amaro, que virou símbolo da preservação do patrimônio histórico no Brasil e tem três filhas: Sol, Marte e Vega, é retratada no documentário ‘Orange de Itamaracá’, de Marcio Câmara e Franklin Júnior.


Cássio Ribeiro

Críticas e sugestões: e-mail zzaapp@ig.com.br e orkut http://www.orkut.com/Profile.aspx?uid=18423333339962056517