A Revolução Constitucionalista de 1932 foi, na verdade, uma resposta de São Paulo à Revolução de 1930, através da qual Getúlio Vargas chegou ao poder acabando com a República Velha. Getúlio foi apoiado pelos tenentes do movimento Tenentista que sacudiu o Brasil com tentativas de golpes e a promoção de revoltas nos quartéis na década de 20.
Até 1930, a organização social brasileira girava basicamente em torno dos moldes agrários, e o cenário político nacional era marcado pela alternância entre paulistas e mineiros na presidência da República, configurando a chamada República do Café com Leite, que é o outro nome pelo qual a República Velha ficou conhecida.
Alguns historiadores afirmam que a Revolução de 1930 marcou a entrada do Brasil no século 20, já que a chegada de Getúlio Vargas ao poder determinou uma mudança dos moldes rurais para uma industrialização nunca vista antes em nosso país.
Pela Constituição de 1891, cada estado brasileiro tinha autonomia política e independência econômica. São Paulo era, graças à abundante produção de café dos séculos 18 e 19, o estado mais rico do Brasil. Getúlio Vargas chegou ao poder com a Revolução de 1930 e estabeleceu um poder federal centralizado, voltado para a implantação de mudanças no campo social, político e econômico do Brasil.
Getúlio Vargas em foto histórica da Revolução de 1930. Na mão esquerda, o inseparável charuto que virou uma marca registrada de Vargas
Mão suja de petróleo. Vargas ainda hoje divide opiniões: para uns, um incansável pai dos trabalhadores; para outros, um impiedoso e sanguinário ditador
Para garantir essa centralização do poder em suas mãos, Vargas nomeou um interventor federal em cada estado brasileiro. Cada interventor era leal politicamente ao governo federal.
Quando passou por São Paulo em 1930, vindo do Rio Grande do Sul em direção ao Rio de Janeiro para ocupar o Palácio do Catete, que era a então sede do governo federal, Getúlio Vargas entregou o controle estadual paulista ao coronel pernambucano João Alberto, que era mais um simpatizante do movimento Tenentista. João Alberto era considerado plebeu e forasteiro pelos paulistas.
O subjugo imposto por Vargas a São Paulo feriu o orgulho bandeirante e foi o primeiro erro político do presidente ditador, sendo o começo dos desentendimentos entre Getúlio e os paulistas.
Aos moldes de Vargas, São Paulo alegava estar representando uma locomotiva que puxava os outros estados brasileiros como vagões economicamente vazios. Por outro lado, Getúlio Vargas afirmava que antes da Revolução de 1930, os estados brasileiros eram como ilhas viradas umas de costas para as outras.
Foi diante desse impasse caracterizado pelo choque entre interesses, que São Paulo exigiu o retorno da Constituição de 1891, buscando uma volta legal às suas condições política e econômica independentes e anteriores a Getúlio. Daí se deu a explosão da chamada Revolução Constitucionalista de 1932.
Largo do Patriarca, São Paulo. É 23 de maio de 1932 e uma multidão irada ocupa as ruas desde o dia anterior, protestando contra a visita de Oswaldo Aranha, que é o então ministro da fazenda de Getúlio Vargas. É a segunda vez no mesmo ano que o povo pára a cidade, já que 100 mil pessoas tinham tomado conta das ruas durante um comício realizado na Praça da Sé, em 25 de janeiro, dia do aniversário de São Paulo, para exigirem a autonomia política e econômica do estado e o retorno da Constituição de 1891.
Mobilização massiva dos revoltados paulistas em 1932
O ódio, o desprezo e a sensação de estarem sendo insultados são sentimentos generalizados entre os paulistas. A elite e a classe média se vêem prejudicadas pela quebra da autonomia estadual imposta pelo centralizador Getúlio Vargas. Só a classe operária parecia estar ao lado do presidente paternalista.
A Associação Comercial também aderiu ao movimento de revolta que fermentava nas ruas. Lojas e casas de negócios fecharam suas portas. Um cronista da época escreveu: “Multidões empunhavam bandeiras de São Paulo e do Brasil e vagueavam desencontradamente, com gritos de hurras cívicos. Oradores assomavam-se às janelas. ‘Os paulistas não podem permitir a suprema afronte’, gritava um”.
A multidão era imensa na noite daquele 23 de maio de 1932. A Praça da República estava tomada por uma intensa agitação, e alguém teve a idéia de invadir sede da Legião Revolucionária, que era uma entidade tenentista que apoiava Getúlio Vargas.
A massa humana revoltada foi até a porta do prédio da Legião e começou a forçar a entrada para a invasão. Os legionários aguardavam e, de armas em punho, abriram fogo contra a multidão invasora. A dispersão dos invasores em pânico foi imediata, mas quatro corpos sem vida ficaram estirados no chão: eram os jovens Martins, Miragaia, Dráusio e Camargo.
Os jovens Martins, Miragaia, Dráusio e Camargo, cujas mortes foram o motivo que faltava para o início da Revolução Constitucionalista de 1932
Os quatro rapazes mortos foram o estopim para o início da Revolução Constitucionalista de 1932. Os industriais, a classe média e os cafeicultores de São Paulo estavam unidos na oposição a Getúlio Vargas, que enfrentaria a primeira revolta contra seu governo.
As reivindicações de São Paulo contra Getúlio Vargas ganharam, no início, apoio de outros estados. Quando o Partido Democrático de São Paulo rompeu com o pernambucano João Alberto, que era o interventor federal imposto por Getúlio Vargas, o Partido Libertador Gaúcho manifestou apoio aos paulistas.
O Exército Brasileiro demonstrou apoio a São Paulo nos primeiros momentos da oposição a Vargas, já que havia a preocupação de que a presença dos tenentes como interventores federais nos estados pudesse comprometer e inverter a ordem da hierarquia militar.
O veterano general Isidoro Dias Lopes (1865-1949) se indispôs com Getúlio Vargas devido a divergências relativas ao comando político do estado de São Paulo. Dias Lopes conseguiu, no Rio de Janeiro, apoio do coronel Euclides de Oliveira Figueiredo entre outros.
Em São Paulo, o general Dias Lopes contava com o apoio de grande parte dos oficiais do Exército e, no Mato Grosso, o comandante da região militar daquele estado, general Bertholdo Klinger, também afirmou apoio à causa paulista.
O interventor federal Flores da Cunha, nomeado por Getúlio Vargas para representar o poder federal no Rio Grande do Sul, também jurou apoio a São Paulo. Minas Gerais não aderiu à posição revolucionária paulista, porém, garantiu neutralidade em caso de combate armado entre São Paulo e as forças federais de Getúlio Vargas.
Estava tudo pronto para começar a Revolução Constitucionalista de 1932, e a data marcada inicialmente foi 14 de julho, aniversário da queda da Bastilha na França. Contudo, alguns fatos não aconteceram exatamente conforme o planejado.
O general Bertholdo Klinger, que comandaria 5 mil homens vindos do Mato Grosso para apoiar São Paulo, teve um desentendimento com o ministro do Exército e foi afastado do comando da região militar de Mato Grosso, sendo aposentado da carreira militar.
Com esse acontecimento, o coronel Euclides de Figueiredo viajou às pressas do Rio de Janeiro para São Paulo, na noite de 8 de julho. Na manhã de 9 de julho de 1932, Euclides decidiu junto com alguns líderes políticos paulistas, iniciar antecipadamente a Revolução Constitucionalista. Euclides de Figueiredo era pai do general João Batista de Oliveira Figueiredo, que foi o último presidente da República durante a ditadura militar brasileira (1964-1985).
Os comandantes constitucionalistas: general Isidoro Dias Lopes, na foto acima, ao centro ...
coronel Euclides de Figueiredo ...
e o general Bertholdo Klinger
Na noite do dia 9 de julho, tropas da força pública de São Paulo (atual PM e bombeiros paulistas) invadiram quartéis, a companhia telefônica, estações ferroviárias e o prédio dos Correios. As invasões foram realizadas sem nenhuma resistência e, sem que um tiro sequer fosse disparado, a cidade de São Paulo caiu nas mãos dos revolucionários constitucionalistas comandados por Isidoro Dias Lopes e Euclides de Figueiredo.
Logo de início, São Paulo contou com algumas surpresas não esperadas. O interventor federal gaúcho Flores da Cunha decidiu não apoiar mais os paulistas bem no momento em que a revolução teve início, e escolheu permanecer leal a Getúlio Vargas.
Um dos gaúchos mais famosos da época, Lindolfo Collor, que também foi o primeiro ministro do Trabalho do Brasil, produziu um manifesto acusando Flores da Cunha de traição. Eis um trecho do manifesto: “Foi na terra que tem a lealdade por emblema e erige o cumprimento da palavra empenhada no mais elementar dos deveres de honra, foi no Rio Grande do Sul que o crime se consumou. O Rio Grande faltou à sua palavra”.
O interventor federal gaúcho Flores da Cunha, terceiro da esquerda para a direita
Outro estado que na hora “H” virou-se contra São Paulo foi Minas Gerais. Mesmo prometendo neutralidade, Minas formou fileiras ao lado de Getúlio, e permitiu que seu território, que faz divisa com São Paulo ao sul e ao oeste, fosse usado pelas tropas federais de Vargas no combate aos paulistas.
Mesmo assim, a população de Minas Gerais, principalmente ao sul, esteve solidária aos paulistas. A cidade sul-mineira de Ouro Fino foi a primeira a aderir oficialmente à causa paulista. No dia 10 de julho, o prefeito da cidade lançou um manifesto público convidando a população para apoiar a causa constitucionalista de São Paulo.
O lema da população sul-mineira era: “Tudo por São Paulo”. Um velho fazendeiro se expressou dessa forma na ocasião: “Tudo quanto possuímos, desde a panela de alumínio até os sapatos, vem de São Paulo. Qualquer mercadoria é de origem paulista. Podemos nós marchar contra o verdadeiro Brasil? Ele tem recursos inesgotáveis, possui fábricas, maravilhosa rede de estrada de ferro, inúmeras estradas de rodagem, comércio florescente e inigualável, lavoura de primeira, cultura super, civismo, valor! Contra um estado nessas condições é impossível guerrear. Podem mandar tropas à-vontade, pois os paulistas vencerão fatalmente. A História ensina que os povos mais civilizados são os que vencem e dominam”.
Na edição do jornal Folha da Noite, que circulou em 23 de julho de 1932, foi publicado o seguinte texto: “Os paulistas poderão avaliar a sinceridade do povo mineiro através do que passo a dizer. Em todas as estações, esquinas e casas comerciais foram fixados boletins assinados pelo sr. Olegário Maciel que, dizendo-se autorizado pelo governo central, convidava os prefeitos de todas as cidades a iniciarem o alistamento de 20 mil voluntários otimamente pagos, bem fardados, armados e com donativo no fim da campanha. Passada a primeira semana, notou-se uma coisa maravilhosa: nem um único homem se apresentou para ser “bem fardado, municiado, pago e premiado”. Desolados, os prefeitos mandaram arrancar a circular presidencial. Varginha, que é uma das maiores cidades mineiras, recebeu com verdadeira repulsa a ordem de Olegário Maciel”.
Mesmo sem o apoio oficial dos governos de Minas Gerais e do Rio Grande do Sul, que ficaram ao lado de Vargas, São Paulo, mesmo traído e sozinho, deu prosseguimento à revolta que acabou se configurando como o maior conflito armado entre brasileiros ocorrido em todo o século 20.
O General Bertholdo Klinger, mesmo afastado do Exército, chegou à capital paulista no dia 11 de julho para assumir o comando das tropas revolucionárias constitucionalistas. Klinger foi recebido calorosamente pela multidão, e discursos foram proferidos. O grande orador da causa constitucionalista, Ibrahim Nobre, falou na ocasião da recepção do general Bertholdo Klinger: “Conduza-nos general. Leve-nos à vitória para que o Brasil possa viver livre e voltar ao trabalho. Nosso movimento é do Brasil católico, disciplinado e forte contra a anarquia que queriam que vivêssemos”.
Apesar de todo o entusiasmo inicial dos paulistas, São Paulo tinha outros problemas além de estar lutando sozinho contra o resto do Brasil pela causa constitucionalista. O exército paulista não possuía grande poder de fogo. Na data do início da revolução, 9 de julho, os paulistas tinham apenas 6 milhões de cartuchos.
Armas usadas pelos paulistas
Os líderes paulistas esperavam um fim rápido para o conflito e não se preocuparam com o treinamento das tropas e com a estocagem de munição. O conflito começou a se mostrar longo e difícil. Era necessário preocupar-se com formas de improviso para compensar as deficiências que começavam a aparecer durante a guerra.
Os paulistas passaram a se organizar em movimentos civis. Organizações como a Legião Negra, a Liga de Defesa Paulista e o Instituto do Café lançaram uma forte campanha para alistar voluntários. As inscrições começaram na madrugada do dia 10 de julho, em vários postos espalhados pelo estado. Na mesma data, na Faculdade de Direito do Largo São Francisco, foi formado o Batalhão Universitário, que foi enviado para a fronteira com o Paraná, na frente de batalha do Itararé. Outra tropa formada por civis foi o Batalhão Esportivo, que tinha como sargento Artur Friedenreich, uma das primeiras estrelas do futebol brasileiro.
Pequeno manequim que reproduz a vestimenta dos soldados paulistas
A falta de recursos financeiros se configurava rapidamente. Para compensar as carências, foi criado um bônus de guerra para desempenhar a função de moeda. Para promovê-lo, foi lançada a campanha “Ouro Para São Paulo”, convocando a população a doar enfeites preciosos e jóias. A campanha começou em meados de agosto de 1932 e, só na primeira semana, 10 mil pessoas fizeram doações só na capital paulista. Nos últimos dias da revolução, foram registradas um total de 80 mil doações em todo o estado. Cada contribuinte recebia um diploma com a frase: “Dei ouro para o bem de São Paulo”.
Diploma que era entregue aos paulistas que se alistavam para lutar na revolução. Nota-se a figura de uma mulher formando o mapa do estado de São Paulo
Cartazes da Revolução Constitucionalista ...
convocando a população ... a lutar por São Paulo
A Federação das Indústrias de São Paulo (FIESP) foi ativamente importante na promoção da guerra. Oficinas e fábricas foram convertidas para atenderem a produção de armas, munições e capacetes de aço. No auge da produção, foram fabricados cerca 8 mil granadas e 200 mil cartuchos de fuzil diariamente. As granadas paulistas chegaram a ser consideradas superiores às de fabricação francesa.
Contudo, a Revolução Constitucionalista de 1932 era uma revolta das elites e da classe média paulista, que queriam a volta de suas regalias ligadas à autonomia estadual cessada por Getúlio Vargas. Os operários e as classes pobres paulistas não apoiavam diretamente a causa Constitucionalista, sendo mais solidários à política paternalista e trabalhista do populista Getúlio Vargas. Sendo assim, a FIESP, temendo sabotagens nas suas fábricas, criou uma milícia industrial para oprimir eventuais revoltas e dificuldades criadas pelos operários.
Outra classe paulista que apoiou a revolução foi a dos artistas e intelectuais. Nomes como a pintora Anita Malfati, o poeta Guilherme de Almeida e o jornalista Paulo Duarte formaram entusiasmado coro com a causa rebelde constitucionalista.
O consagrado escritor de Taubaté, Monteiro Lobato, escreveu em agosto de 1932: “A atitude única que o instinto de conservação impõe a São Paulo, depois da vitória, deverá expressar-se nessa fórmula: hegemonia ou separação. (...) Temos que arrancar as armas federais (que o dinheiro paulista pagou) das munhecas dos nosso queridíssimos irmãos antes que elas se voltem contra nós ainda uma vez. (...) Sejamos lobos contra lobos. Lobos gordos contra lobos famintos”.
O escritor Monteiro Lobato
Outra importante arma para a mobilização do povo em prol da revolução em São Paulo foi o uso do rádio. Pela primeira vez, o rádio era empregado com o propósito da promoção de uma guerra em toda a História do Brasil. As rádios Educadora e Record eram ouvidas fielmente pelo povo paulista, e ninguém queria ouvir as estações cariocas. Durante o discurso de Ibrahim Nobre, o povo vibrava entusiasmado e inúmeras pessoas choraram comovidas com as palavras do ardente orador.
O locutor César Ladeira, da rádio Record de São Paulo, ficou conhecido como “A Voz da Revolução”, ao transmitir mensagens radiofônicas diárias conclamando a bravura do povo. Outro radialista com importante papel na revolução foi João Neves da Fontoura, que descrevia pelo microfone a mobilização dos paulistas. Dizia o locutor: “O entusiasmo de São Paulo em armas entusiasmaria até mesmo os céticos. Há uma estranha beleza nessa metamorfose marcial. Um povo de trabalhadores despe a blusa e veste a farda”. Ao fundo, ecoava a marcha Paris Belfort, que acabou virando o hino da Revolução Constitucionalista de 1932.
No sul de Minas Gerais, a polícia perseguia as pessoas que possuíam aparelhos de rádio e, em várias cidades, as irradiações das emissoras de São Paulo foram proibidas.
Uma das características mais marcantes da Revolução Constitucionalista de 1932, e que nunca foi observada de forma igual em outra revolução brasileira, foi a participação das mulheres. Naquela época, as damas ocupavam um papel secundário no cenário da participação política brasileira. Porém, as paulistas se envolveram diretamente na causa de seu estado.
Algumas bravas mulheres, como a professora rural Maria Iguassiba, combateram na linha de fogo do fronte. Outras, como Maria Emília Leonel, que era presidente da Cruz Vermelha, viajavam pelo interior levando mensagens entre o campo de batalha e o Quartel General da capital paulista.
Mulheres paulistas desfilando junto com os soldados revolucionários constitucionalistas
Mas entre todas as bravas e nobres atividades das mulheres durante a Revolução Constitucionalista de 1932, sem dúvida foi na retaguarda que o apoio feminino se configurou mais importante. As principais atividades das mulheres paulistas foram realizadas em hospitais, nas oficinas e nas “Casas de Soldado”.
Mulheres em atividade de apoio na retaguarda, confeccionando peças de fardamento para as tropas paulistas
Só no primeiro mês da revolução, 7200 mulheres confeccionaram 440 mil peças de farda destinadas aos soldados. Refeições eram servidas pelas mulheres aos combatentes nas “Casas de Soldado” localizadas em todo o estado. Só em uma delas, sediada na “Bolsa de Mercadorias”, foram servidos 149 mil almoços nos dois primeiros meses de atividades. O apoio das mulheres paulistas foi tanto que elas chegaram a envolver seus filhos em idade escolar na causa constitucionalista. As crianças também se envolviam na propaganda, lendo discursos pelas ruas e compondo batalhões infantis que desfilavam exibindo cartazes com frases como: “Se necessário, também iremos”.
Crianças do pelotão infantil dando apoio moral às tropas paulistas
Apesar de todo o esforço das mulheres e das tropas formadas pela Força Pública paulista e por civis, os três comandantes constitucionalistas (coronel Euclides de Figueiredo e os generais Bertholdo Klinger e Isidoro Dias Lopes) enfrentavam tropas militarmente muito superiores às suas.
Para título de comparação, as tropas paulistas formadas pela Força Pública e por civis comuns, seria como um time de futebol amador formado às pressas para enfrentar uma das maiores equipes do futebol brasileiro atualmente. Os soldados paulistas, ainda que motivados e dispostos a lutar pela causa constitucionalista de seu estado, não eram páreo para os fuzileiros navais e para os combatentes de infantaria do Exército Brasileiro comandados pelo general Góis Monteiro, e leais a Getúlio Vargas.
A artilharia paulista
Em todos os estados do brasileiros, a imprensa divulgava que São Paulo queria se separar do Brasil para virar uma república italiana. Em 1932, mais da metade dos 7 milhões de habitantes do estado de São Paulo era de origem italiana. Para todo o Brasil, combater São Paulo era uma questão de manutenção da unidade nacional brasileira.
Na frente de batalha norte, localizada na região de Mogi Mirim e Campinas, 10 mil paulistas enfrentaram 20 mil soldados das forças federais de Vargas. Nos combates ao sul do estado, em Itararé, os paulistas combateram soldados gaúchos do interventor Flores da Cunha, que havia prometido fidelidade a São Paulo antes do início da revolução. Ainda na frente sul, os paulistas possuíam 45 armas automáticas, contra 900 metralhadoras das tropas federais de Getúlio.
Outra significativa deficiência de São Paulo se configurava na sua força aérea. No começo do conflito, os paulistas tinham apenas 4 aviões: dois velhos Waco e dois Potez veteranos da Primeira Guerra Mundial (1914-1918), equipados com metralhadoras manuais. Foram comprados mais três aeronaves no exterior durante o conflito, e ainda mais dois aviões foram trazidos do Rio de Janeiro por pilotos federais que desertaram e passaram para o lado paulista.
Embora modesta, essa esquadrilha formada por 9 aeronaves era motivo de grande orgulho para os paulistas, que apelidaram os aviões de “gaviões de penacho”. Em 21 de setembro de 1932, esses “gaviões” realizaram sua maior façanha, abatendo 5 dos 7 aviões federais pousados em Mogi Mirim.
Contudo, os aviões de Getúlio Vargas, chamados de “vermelhinhos”, que eram aparelhos modelos Corsário, Savoia 55 e Fleet, eram muito mais velozes e numerosos que os 9 aviões da modesta esquadrilha paulista. O “vermelhinhos” de Getúlio espalharam intenso terror não só nas frentes de batalha, mas também em cidades como Campinas, além de Guaratinguetá e Aparecida do Norte no Vale do Paraíba paulista.
Exemplar preservado da esquadrilha de "vermelhinhos" de Getúlio Vargas, que atuou no bambardeio de diversas cidades paulistas
Toda essa destruição e morte espalhadas tanto pelos aviões paulistas como pelos aviões federais, ocasionaram outro triste acontecimento. Santos Dumont, o pai da aviação, estava muito deprimido durante a Revolução Constitucionalista, em julho de 1932.
Dumont repousava no Guarujá, acompanhado por parentes e amigos, quando recebeu a notícia do primeiro bombardeio aéreo de cidades paulistas, no dia 13 de julho de 1932. No dia seguinte, o Pai da Aviação escreveu um pronunciamento ao povo brasileiro, no qual pedia a volta da Constituição de 1891 como solução para os problemas políticos e econômicos que abalavam o Brasil.
Cada vez mais abalado, Santos Dumont confessou seus remorsos a um amigo: “Não haverá meio de evitar derramamento de sangue de irmãos? Por que fiz eu esta invenção que, em vez de concorrer para o amor entre os homens, se transformou numa maldita arma de guerra? Horrorizam-me estes aeroplanos que estão sempre pairando sobre Santos”.
Em 23 de julho, o Campo de Marte em São Paulo foi bombardeado. Na mesma data, os vermelhinhos de Getúlio Vargas atacaram o Forte Itaipu, em Santos. Os ruídos das explosões terminaram de minar o então frágil controle emocional de Santos Dumont. O Pai da Aviação foi para seu quarto, no Hotel de La Page, trancou-se no banheiro e se enforcou.
Santos Dumont
A Revolução Constitucionalista de 1932 foi idealizada pelos paulistas para derrubar o governo federal de Vargas. O paulistas tinham, inicialmente, o plano de marchar junto com soldados do Rio Grande do Sul, do Mato Grosso e de Minas Gerais rumo ao Rio de Janeiro para derrotar Getúlio Vargas e reimplantar uma constituição que garantisse autonomia econômica e política às unidades estaduais, e São Paulo era o principal interessado nisso.
Porém, os acontecimentos ocorridos a partir do início da revolução fizeram os paulistas ficarem ilhados dentro de seu território, combatendo isolados em lutas defensivas. De invasores, os paulistas passaram a invadidos pelas tropas federais de Vargas. As deficiências eram tantas, que os paulistas tiveram que improvisar algumas “armas” digamos, alternativas e bem curiosas.
A Matraca, por exemplo, era uma roda dentada com uma manivela que, quando girada em alta velocidade, fazia os dentes da roda rasparem em uma lâmina de aço. O grande ruído provocado: “tá, tá, tá, tá, tá, tá, tá, tá, tá, tá, tá, simulava uma potente metralhadora disparando, e sugeria um suposto alto poder de fogo das tropas paulistas. Foi a partir da Matraca que surgiu a expressão atual que geralmente é dita a uma pessoa que fale demais: “Fecha essa matraca!”
A matraca
Mas os paulistas também fabricaram armas de verdade, que não faziam só barulho. A Bombarda, por exemplo, era uma espécie de bazuca. Porém, uma das mais eficientes armas fabricadas foi o morteiro “Major Marcelino”, que ficou conhecido como “MMM”. No primeiro teste feito com este morteiro, morreram seu inventor, o major Marcelino, e o coronel Júlio Marcondes Salgado, tendo também o general Bertholdo Klinger ficado ferido na ocasião.
Os paulistas também construíram carros lança-chamas e três trens blindados. Os trens eram usados no início da guerra para atacarem as tropas de Vargas localizadas perto das ferrovias. Os trens blindados chegavam espalhando morte e pânico.
Carros lança-chamas dos paulistas
Paulistas junto ao trem blindado
Apelidado de "fantasma da morte" pelas tropas federais de Getúlio, o trem blindado deslocava-se bem devagar em suas primeiras viagens. Os soldados inimigos pensavam tratar-se de um trem de carga comum, e corriam ansiosos ao seu encontro. Quando percebiam que era um trem paulista de guerra, já era tarde. Eram mortos por um canhão, doze fuzis e quatro metralhadoras instaladas em torres giratórias
Apesar de todo esforço de São Paulo, suas tropas terrestres não conseguiam deter o avanço das forças federais profissionais e bem treinadas de Getúlio Vargas. A resistência paulista foi minada entre agosto e setembro de 1932, quase três meses após o início do conflito.
No Vale do Paraíba paulista, os constitucionalistas perderam várias posições estratégicas e tiveram que abandonar diversas cidades. Cunha/SP, encravada entre as serras do Mar e da Bocaina, foi dominada pelos fuzileiros navais, que desembarcaram em Paraty, no estado do Rio, e subiram a Serra do Mar através do trajeto da Estrada Real e cruzaram a divisa com São Paulo.
Na ocasião, o soldado paulista Paulo Virginio foi aprisionado pelos fuzileiros de Vargas e obrigado a cavar a própria cova antes de ser friamente executado. O trecho da Estrada Real que liga Guaratinguetá/SP à Cunha/SP, e depois desce até Paraty/RJ, recebeu o nome de rodovia Paulo Virginio no trecho localizado dentro do território do estado de São Paulo.
A saudade foi um dos principais problemas enfrentados pelas tropas paulistas. Para minimizar o isolamento entre as frentes de batalha e as cidades, que tanto colocava em baixa a já abalada moral dos soldados de São Paulo, foi criado um ágil serviço de correio, chamado de Correio Militar MMDC, em alusão às iniciais dos quatro jovens mortos antes do início da revolução (Martins, Miragaia, Dráusio e Camargo). As cartas recebidas pelos soldados os motivavam nas lutas, mas não eram capazes de impedirem as tristes e numerosas baixas. Uma das cartas, encontrada no bolso da farda vestida no cadáver de um combatente, continha o seguinte texto escrito por uma esposa arrependida por tê-lo motivado a lutar: “Tu, meu maridinho, não podes morrer! Lembra-te que até teus pais me acusam! Tu precisas viver!”
Outra importante posição estratégica perdida pelos paulistas foi a entrada do chamado Grande Túnel, que marca a divisa entre São Paulo e Minas Gerais. A perda da posição foi significativa para a derrota final paulista, já que representou o imediato recuo das tropas de São Paulo e a perda das cidades do Vale do Paraíba paulista para as tropas federais de Vargas.
Entrada paulista do histórico túnel da Revolução de 1932. Localizado no alto da Serra da Mantiqueira, a aproximadamente 900 metros de altitude, o chamado "Grande Túnel" possui 1 quilômetro de extensão e teve sua construção concluída em 1884, por ordem do Imperador Dom Pedro II, para ligar o rico e cafeeiro Vale do Paraíba paulista do século 19 à cidade de Três Corações/MG
Por marcar a divisa entre SP e MG, separando os municípios de Cruzeiro/SP e Passa Quatro/MG, o túnel representou uma posição estratégica onde foram travadas sangrentas e decisivas batalhas da Revolução Constitucionalista de 1932. Os paulistas chegaram a empurrar duas locomotivas para dentro do túnel, tombando-as em seguida, na tentativa de impedir a entrada em São Paulo das tropas federais de Getúlio vindas de MG
Visão interna da entrada paulista do histórico túnel. Na ocasião dos combates, alguns soldados paulistas permaneceram por duas semanas no interior do túnel, resistindo com tiros à invasão das tropas de Getúlio Vargas
Soldados de São Paulo guardando a entrada paulista do túnel durante a Revolução de 1932
Combatentes paulistas em trincheira perto da entrada paulista do túnel, no alto da Serra da Mantiqueira. Ainda hoje, as trincheiras podem ser observadas no local. Artefatos da Revolução Constitucionalista, como pinos de granadas e cartuchos de velhos mosquetões usados nos combates, surgem em ocasiões que a terra é removida naquela região
Na frente de batalha norte, as tropas de Vargas já cercavam Campinas, onde ocorreu a última batalha da Revolução Constitucionalista. Em 1 de outubro de 1932, o coronel Herculano de Carvalho assinou a rendição final para as tropas de Getúlio Vargas comandadas pelo general Góis Monteiro.
Terminada a revolução, Vargas nomeou um novo interventor federal para São Paulo, Valdomiro Castilho de Lima. Os líderes constitucionalistas, 77 no total, foram presos e levados ao Rio de Janeiro. Alguns foram enviados de lá para Portugal.
Vargas venceu a revolta da elite paulista, porém, percebeu que precisava do apoio do rico estado de São Paulo para governar. As reivindicações da Revolução Constitucionalista de 1932 acabaram não só se mostrando compatíveis com os que queriam o retorno às antigas formas oligárquicas cafeeiras de poder da República Velha, que davam autonomia aos estados, como também com os que pretendiam estabelecer uma democracia liberal centralizada no poder de um governo federal forte.
Getúlio Vargas convocou eleições para a elaboração de uma Assembléia Constituinte. Nas eleições, realizadas em maio de 1933, foi posta em prática a Lei Eleitoral, que tinha como principais características o voto secreto, a criação da Justiça Eleitoral, o direito das mulheres votarem e serem votadas, além da participação na Assembléia Constituinte de representantes de sindicatos de trabalhadores, patrões, profissionais liberais e funcionários públicos.
Entre os 254 parlamentares eleitos, estava a primeira mulher a ocupar uma cadeira do Parlamento em toda a História do Brasil, a paulista Carolina Pereira de Queiroz. A Constituinte de 1933 mudou significativamente os moldes políticos do Brasil, mas só aconteceu graças à atitude dos paulistas, que pegaram em armas um ano antes, em 1932.
A Revolução Constitucionalista de 1932 foi um dos maiores conflitos armados entre brasileiros, sendo o maior combate ocorrido em nosso território em todo o século 20. Existem duas visões de análise sobre o conflito: a dos getulistas, que foram os vencedores e acabaram influenciando o entendimento educacional propagado aos brasileiros pelos livros didáticos de história, e a dos constitucionalistas paulistas, que foram os perdedores da guerra e cujo lema repetido até hoje pelos poucos combatentes ainda vivos é: “Pela lei e pela ordem”.
É curioso notar que a Revolução de 1932 é o único movimento revolucionário ocorrido na História do Brasil em que a comemoração do evento seja realizada pelos vencidos e não pelos vencedores. Desde 1997, o dia 9 de julho, que marca a data inicial da revolução, foi instituído como feriado estadual em São Paulo.
Oficialmente, morreram 634 soldados paulistas nos combates da Revolução Constitucionalista de 1932. Os historiadores dizem que certamente esse número deve chegar em torno de 1000 mortos. O historiador Jeziel de Paula afirma no livro “Imagens Construindo a História” que, seguramente, o número de paulistas mortos no conflito foi maior que o da perda de combatentes durante a campanha da Força Expedicionária Brasileira (FEB), em 1945, na Segunda Guerra Mundial.
Cássio Ribeiro
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