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quarta-feira, 31 de outubro de 2007

A FLUMINENSE FM E SUAS BEM-DITAS ONDAS MALDITAS


Legião Urbana, Paralamas do Sucesso, Kid Abelha, Barão Vermelho, Capital Inicial e Lobão; esses e muitos outros representantes do rock brasileiro possuem algo em comum, que marcou o início de suas carreiras nos idos dos primeiros anos da década de 1980. Todos eles foram lançados ao terem suas fitas K-7 demo tocadas por uma certa Rádio Fluminense FM, a "Maldita" de Niterói, no estado do Rio de Janeiro.

A Maldita foi antecedida por duas rádios de baixa potência existentes na década de 70; a Federal AM, do Grupo Bloch, e a Eldorado FM, chamada de Eldo Pop na época, e pertencente ao Sistema Globo de Rádio. As duas emissoras foram as primeiras representantes da cultura alternativa do rock no rádio brasileiro.

Em 1974, a Federal virou uma emissora AM popular, com o novo nome de Manchete AM. A Eldorado também mudou de estilo e nome em 1978, passando a ser chamada de 98 FM, ainda hoje uma emissora popular no RJ.

O jornalista Luiz Antônio Mello havia trabalhado na Federal AM e, já que o Grupo Fluminense de Comunicação, dono do jornal O Fluminense, de Niterói, ensaiava a emissão das primeiras ondas de sua emissora FM no início da década de 80, Luiz Antônio, junto com o amigo e também jornalista Samuel Wainer Filho, apresentou o projeto de um programa chamado "Rock Alive" aos donos da emissora. Os dois ficaram surpresos ao receberem como resposta do Grupo Fluminense, o aval para o controle total da Fluminense FM, tendo ambos a partir de então, a liberdade para fazerem o quisessem com a rádio.

A Fluminense FM, que estava sendo criada para ser uma rádio com perfil romântico, passou então por uma mudança literalmente radical: só mulheres na locução e nada de aceitar jabá (dinheiro das gravadoras para tocar músicas promocionais de um CD, discos de vinil na época). A mesma música nunca seria tocada 2 vezes no mesmo dia e as locutoras jamais falariam durante as músicas, que também não seriam atropeladas por vinhetas.

Sendo assim, às 6 horas da manhã do dia 1 de março de 1982, entrava no ar a Rádio Fluminense FM, a Maldita de Niterói, em 94,9 MHz. A programação apresentava a coletânea "Rock Voador", resultado da parceria entre a WEA e o Circo Voador, do RJ, responsável pelo lançamento de nomes como Celso Blues Boy e Kid Abelha. Outras atrações eram, além de consagrados nomes de peso do rock mundial, novas tendências da época como The Smiths, New Order, The Cure, U2 e veteranos não conhecidos como Joy Division e Dead Kennedys.

Um show à parte na programação da Fluminense FM eram as fitas-demo dos até então desconhecidos Legião Urbana, Paralamas do Sucesso, Lobão, Picassos Falsos, Plebe Rude, Capital Inicial, Barão Vermelho e muitos outros.

Era a época de abertura política no Brasil, após quase duas décadas de uma ferrenha Ditadura Militar (1964 – 1985), que governara o país sob moldes de repressão, perseguição política e censura imposta aos veículos de comunicação até o final da década de 1970. A Maldita foi a mola precursora do fenômeno do rock brasileiro da década de 1980, que representou o grito de liberdade de toda uma geração, neta dos chamados Anos de Chumbo.

Mesmo com precária qualidade técnica, as fitas-demo tocadas na Fluminense FM apresentavam criatividade e improviso musical melhor que as das faixas dos LPs das mesmas bandas lançadas pelas grandes gravadoras posteriormente.

Quem girasse o botão do rádio, percorrendo o dial FM carioca naquela época, logo encontrava lá pelos 94,9 MHz, o som inconfundível da programação da Maldita, além das vinhetas totalmente originais: "noventa e quatro vírgula nove; Fluminense FM, a estação do rock", seguido pelo som da corda de uma guitarra arrebentando.

A Maldita, que começou na 15ª colocação de audiência entre as 16 emissoras FM cariocas em 1982, já era a 3ª em 1985, graças a um time de locutoras no qual se destacavam Mylena Ciribelli (que hoje apresenta programas esportivos na Rede Globo), e Mônica Venerabile, a Moniquinha, consagrada radialista brasileira, atualmente em uma grande FM carioca.

Sentados no estúdio da "Maldita", o jornalista e fundador Luiz Antônio Mello e a então jovem locutora Mônica Venerabile, no início da década de 80. Principais programas da época: "Overdrive" (rock em geral), "Contracapa" (rock nacional), "College Radio" (rock independente dos EUA e Reino Unido), " Hellradio" (grunge e rock barulhento da linha pós-punk), "Hard Rock" (rock pesado) e "Fluminense News" (Entrevistas e demos).

O melhor momento da Maldita foi entre 1985 e 1989. Em fevereiro de 1990, o fundador Luiz Antônio Mello deixou a emissora. No mesmo ano, a Maldita perdeu o direito de transmissão do programa "Novas Tendências" para a Rádio Cidade, ficando sem seu tradicional propagador de novidades.

Sem nomes de peso para sustentar seu tradicional estilo roqueiro, a Maldita virou rádio pop em março de 1990, e passou a tocar nomes que nunca tinham freqüentado sua programação antes: Dee-Lite, Paula Abdul, George Michael e Technotronic por exemplo. Nessa época decadente da Fluminense FM, um locutor chegou a comparar o grupo estilo menudo New Kids On The Block aos Beatles.

Um ano depois, em 1991, a Fluminense voltou a ser rock graças a muitos protestos de ouvintes contra a programação pop. Porém, os tempos áureos e originais do estilo livre que a consagrou como a autêntica Maldita tinham ficado para trás. A nova programação rock da emissora era baseada no repertório da MTV que, recém-chegada ao Brasil, dava destaque para bandas comerciais de sucesso na época, como Nirvana, Red Hot Chili Peppers, R.E.M e Guns N’ Roses.

Passando por dificuldades financeiras, sem publicidade e com baixos índices de audiência, a Fluminense FM foi vendida para a Rede Jovem Pan em 1994. Curiosamente, numa alusão aos 94,9 MHz da freqüência da Maldita, a emissora encerrou suas transmissões à meia-noite do dia 30 de setembro (Mês 9), do ano de 1994. A última música tocada foi "The End", do primeiro LP do The Doors, de 1967.

Último formato usado para a divulgação da rádio em adesivos e camisetas, antes da "Maldita" virar franquia da Rede Jovem Pam, em 1994.

A Rede Joven Pan deixou os 94,9 FM da emissora de Niterói em 2000. Um grupo de DJs cariocas assumiu a rádio, que passou a se chamar Jovem Rio.

Em 2001, a Fluminense AM 540 KHz ensaiou um regresso ao estilo da antiga Maldita FM e, em 2002, com o fracasso da Jovem Rio, a Fluminense voltou aos 94,9 MHz do dial FM carioca. Quando perguntado sobre a volta da Maldita, o fundador Luiz Antônio Mello disse: "Não acredito em volta de 'E o Vento Levou', 'Beatles', 'Led Zeppelin', 'Leonardo da Vinci', 'Carlos Lamarca', 'Renato Russo', e, obviamente, da 'Maldita'. Por que? Porque o tempo não pára, e como bem escreveu Nelsinho Motta (nada do que foi será/ de novo do jeito que já foi um dia)."

Após o retorno da Fluminense FM, o estilo rock durou muito pouco, por falta de dinheiro e anunciantes. A emissora foi definitivamente vendida para a Rede Band News em 2005.

Dois livros contam a história da Maldita Fluminense FM; são eles: "Rádio Fluminense FM – A porta de entrada do rock brasileiro nos anos 80", da jornalista Maria Estrella (Editora Outras Letras), e "A Onda Maldita – Como nasceu e quem assassinou a Fluminense FM", do jornalista e fundador da Maldita, Luiz Antônio Mello, que falou sobre o livro em entrevista:

"Nosso pequeno exército venceu preconceitos que existiam (e ainda existem) em torno do Rock autêntico, peitou o lixo vivo da ditadura militar infiltrado na abertura política, enfrentamos sacanagens, sabotagens, fomos além dos nossos limites. Mas faltava a estrutura comercial, a mesma que faltou a Raul Seixas, Van Gogh, Jimi Hendrix, Mozart, e tantas belas figuras que viveram e foram enterradas depauperadas, ingratamente duras. Ah, sim, existe o chamado "reconhecimento depois da morte", mas e daí? Numa das últimas conversas que tive com Raul Seixas ele disse: (cara, estou duro, bêbado...ninguém quer gravar minhas músicas...mas quando estou fazendo um show eu vejo a putada que me fecha as portas metida na multidão gritando meu nome. Eu fico puto, desolado, arrasado)".

Por isso, reafirmo que essa é a última safra do livro "A Onda Maldita..." porque a rádio foi linda, foi maravilhosa, mas foi enterrada viva pela incompetência. Morreu burra, alienada, logo ela que foi berço da inteligência, da vanguarda dos anos 80. Não perguntem nada a mim pois creio ter respondido a tudo e a todos nesse livro. Perguntem quem foi a Maldita a Herbert Vianna, Bi, Barone, Dado Villa-Lobos, Lobão, Maria Juçá, Frejat, Dinho Ouro Preto, Luiz Carlos Maciel, Arthuer Dapieve, Tarik de Souza, Marcos Petrillo, Roberto Medina (a Maldita ajudou no repertório do Rock in Rio I), enfim, perguntem a quem viveu intensamente o Brasil de 1982 a 1985".

Cássio Ribeiro. E-mail: zzaapp@ig.com.br

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