UM DESTEMIDO BRASILEIRO CHAMADO PEPÊ
Início da década de 70. Um grupo de jovens com cabelos compridos, quase sempre alvos de tão louros, graças a combinação de sol e parafina, escorregam sobre as ondas da ponta do Arpoador, no Rio de Janeiro. Um píer erguido para facilitar a construção de um emissário submarino marcava o ponto de encontro daquela garotada pioneira do surf brasileiro que, no início, tanto despertava o preconceito e até atraía a repressão das autoridades da época.
Campeonato de surf no Píer de Ipanema, na década de 70
Surfista naqueles primórdios era sinônimo de desocupado, e a sociedade não via os praticantes do esporte com bons olhos. Quando o clima agitava o mar e fazia massas d’água nada modestas desabarem entre as colunas do Píer do Arpoador, até mesmo os surfistas com mais tarimba preferiam assistir aquele espetáculo da natureza ao longe.
Surgia então um magro e franzino menino de 14 anos correndo por cima do Píer, com sua prancha caseira, de forma irregular, embaixo do braço. Na impossibilidade de entrar remando no mar e chegar até o ponto onde as violentas ondas começavam a se formar, Pedro Paulo Guise Carneiro, o Pepê, saltava da ponta da ponte de atracação no mar revolto para logo em seguida, sozinho, escorregar em alta velocidade por dentro de bravios tubos de água, a alguns metros das rijas colunas do Píer.
As principais marcas de Pepê sempre foram o destemor, o respeito à natureza e o culto ao corpo (sem o tão empregado sentido de malhação atual), pois Pepê cuidava do corpo naturalmente ao praticar o surf e a alimentação natural, balanceada e equilibrada. Essas características associadas promoveram uma trajetória brilhante e respeitada pelo mundo em várias modalidades dos chamados esportes radicais que Pepê praticou.
Aos 13 anos, em 1970, Pepê foi bi-campeão carioca mirim de hipismo. Aos 15, conquistou o campeonato júnior de surf na praia de Ipanema. Ainda aos 17, viajou para se arriscar nas perigosas ondas tubulares de Pipeline, no Havaí; ocasião em que não tomava conhecimento do tamanho e da periculosidade das massas d’água do arquipélago havaiano, e se lançava na primeira onda que aparecesse. Esse estilo arrojado de surfar fez os havaianos chamarem Pepê de “O Kamikaze”, apenas uma semana após o jovem brasileiro ter chegado ao Havaí.
De volta ao Brasil, em 1975, Pepê foi participar do 6º Festival Nacional de Surf, em Saquarema, sua primeira competição que reunia grandes nomes do surf. Resultado: o jovem Pepê, embalado pela temporada recente no Havaí, chegou na bateria final junto com nomes como Rico de Souza, Ricardo Bocão e Otávio Pacheco. Pepê não parou por ai, foi o único dos finalistas que conseguiu vencer o mar agitado daquele dia, e chegar até o ponto de formação das ondas, garantindo a exclusividade de deleite no interior de violentos tubos aquáticos e o título do evento.
O feito de Saquarema rendeu a Pepê um convite para participar do Pipe Masters de 1976, que reunia os 18 melhores surfistas do mundo em um torneio no Havaí. O evento dividia os competidores em 3 grupos de 6, sendo que os dois melhores de cada grupo se classificavam para a grande final, e Pepê estava lá, pois foi o 2º melhor de seu grupo. Na final, o surfista brasileiro ficou em 6º (a melhor colocação de um brasileiro em toda a história do surf), pois pegou uma onda a menos que os outros 5 surfistas participantes da final.
Nessa época, Pepê, baseado na experiência pela própria prática da alimentação natural, lançou uma moda gastronômica que se tornaria mania da geração saúde do início dos anos 80. Sua barraca de sanduíches naturais na praia do Pepino teria como campeã de vendas uma prática refeição que reunia pasta de frango, beterraba, cenoura, pepino, broto de alfafa, alface e pão integral.
A vida de empresário se alternava com as competições de vôo livre. Em poucos anos de prática com asa-delta, Pepê conquistou o inédito campeonato mundial de vôo livre para o Brasil , em 1981, no Japão. Em 1984, durante um campeonato em Governador Valadares MG, Pepê teve que fazer um pouso forçado devido a uma súbita falta de sustentação em sua asa-delta, e perdeu o baço e um rim. Apesar do acidente, Pepê continuou desafiando a morte em seus vôos destemidos.
Pepê e o australiano saltaram seguidos por um japonês, que era o 3º colocado. As condições extremamente impróprias permitiram um deslocamento em vôo de apenas
De repente, os três competidores começaram a perder altitude muito rápido. Nosso eterno Menino do Píer, ou melhor, do Rio, chocou-se contra um paredão de rocha. Oito costelas quebradas, hemorragias internas e Pepê ainda gritou o nome dos filhos, João Pedro e Bianca, de 1 e 3 anos na ocasião, e o da esposa, Ana Carolina. O helicóptero de resgate chegou duas horas e meia depois, mas já era tarde. Pepê morreu como sempre viveu, desafiando o perigo. Em 1992, um trecho da praia da Barra da Tijuca e uma avenida no mesmo bairro carioca foram batizados com o seu nome.
Cássio Ribeiro. E-mail: zzaapp@ig.com.br
12 Comentários:
Adorei a reportagem, o mais interessante é que Pepê passou por Ubatuba também! A capital do surf hoje em dia.
Uma história de vida muito intensa né! gostaria de metade dessa intensidade vivida na minha vida.
Cassio você escreve muito bem, parabens e te desejo muito sucesso na sua carreira como Jornalista.
AndreaPZ
Por Unknown, às 15 de novembro de 2007 às 11:57
Obrigado Andrea! Adorei rebeber sua visita. Bem lembrado sobre Ubatuba. BJUSS
Cássio.
Por Cássio Ribeiro, às 17 de novembro de 2007 às 11:18
Gostei ,muito dessa matéria, será que vc teria fotos do Pepê quando ele participava do alternativa de surf patrocinado pela falida mesbla? tenho um blog sobre a mesbla, e gostaria de colocar fotos e alguma matéria sobre nosso herói se possivel na época em que ele era garoto propagenda das marcas exclusivas, obrigado e parebêns pelo blog!
Por Venicio Nunes (Mesbla), às 5 de abril de 2008 às 13:48
Alguém sabe a data de nascimento do Pepê? O ano foi 1957, mas em que dia e mês. Um fortíssimo abraço deste que é um dos maiores, senão o maior fã e discípulo incondicional do destemido atleta brasileiro, mas quase lusitano, ó pa
Por marko damiani, às 21 de abril de 2008 às 20:21
Venicio (Blog Mesbla). Agradeço sua visita e seu comentário. Infelizmente não tenho fotos do Pepê participando do Alternativa Surf da antiga Mesbla. Tais fotos existem na WEB com certeza, e acredito que uma procura bem minuciosa e demorada irá achá-las.
Abração e volte sempre companheiro!
Por Cássio Ribeiro, às 16 de maio de 2008 às 10:18
Caro Marko Damiani, primeiro agradeço sua visita. Dei uma procurada na data de nascimento do Pepê e infelizmente não achei. Encontrei essa comunidade no Orkut http://www.orkut.com/Community.aspx?cmm=1960747 e postei um tópico lá com a sua pergunta. Espero que tenhamos uma resposta com a data em breve. Um forte abraço e volte sempre amigo!
Por Cássio Ribeiro, às 16 de maio de 2008 às 10:25
parabéns pela matéria. fiquei viajando na história dele. muito boma msm.
Por MARCELO PIU, às 19 de novembro de 2008 às 03:46
Quero saber se alguém conheceu RONALDO ¨PIPI¨, irmão de PEPÊ.
Ele era um otimo surfista, me parece que ele morreu.
Carla Albuquerque
Por Unknown, às 12 de dezembro de 2008 às 11:02
Quero saber se alguém conheceu RONALDO ¨PIPI¨, irmão de PEPÊ.
Ele era um otimo surfista, me parece que ele morreu.
ines seixas
Por Unknown, às 12 de dezembro de 2008 às 11:05
Steve Blenkinsop é o piloto australiano de asa que pousou em cima das árvores para ajudar o Pepê, por ocasião de seu acidente fatal no Japão em abril de 91. Steve estava em primeiro no geral e marcava o Pepê, que vinha da sétima posição e já ocupava o segundo lugar na que seria a última prova de um campeonato que oferecia 100 mil dólares ao vencedor.
Pensando no aniversário de 18 anos da morte do Pepê, entrei em contato com o Steve, quando fui informado que ele participaria do Mundial de asa na França em junho próximo. Ele então mandou este vídeo feito por ele naquele dia fatídico.
Em 1992 a FAI instituiu a medalha de honra “Pepe Lopes”, conferida àqueles que se arriscam na tentativa de ajudar um companheiro acidentado. O primeiro ganhador desta medalha foi Steve Blenkinsop. Desde então, apenas outros 4 pilotos mereceram esta honraria. Este ano ela deve ser dada ao austríaco Heli Eichholzer, que pousou na encosta rotorizada do famigerado pedroco El Peñon, na tentativa de salvar a vida do jovem Stefan Schmoker.
http://www.youtube. com/watch? v=jpfs91QT540&feature=channel_ page
Por MICHEL ROQUE, às 29 de abril de 2009 às 08:28
Quem entrou em contato com o Steve Blenkinsop foi o piloto de Belo Horizonte, Lucas Machado.
Por MICHEL ROQUE, às 29 de abril de 2009 às 08:29
Ele e a cara do guga kuerten , ou e impressão minha?
Por Raí Almeida, às 2 de março de 2011 às 20:35
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