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quinta-feira, 29 de novembro de 2007

SIMPLESMENTE SÃO LUIZ DO PARAITINGA

O Vale do Paraíba Paulista fica entre as serras do Mar e da Mantiqueira, e sua forma alongada lembra uma imensa calha cujas bordas elevadas ficam no alto das duas serras. No fundo dessa depressão longitudinal, corre o rio Paraíba do Sul.
A região, que teve o café como seu principal símbolo de riqueza durante todo o século 19, foi povoada e colonizada por um caboclo que representava o primeiro símbolo do homem tipicamente brasileiro, numa mistura entre portugueses e índios. Era o Bandeirante Paulista, que desbravava, de bacamartes em punho, terras desconhecidas e habitadas até então pelos índios.
Essa mescla cultural entre lusitanos e nativos que originou os Bandeirantes, teve como resultado o homem sertanejo brasileiro da região sudeste, mais precisamente nos interiores dos estados de São Paulo e Minas Gerais, além de parte do Mato Grosso do Sul e do Paraná. Trata-se do caipira.
No início do século 20, em 1918, o consagrado escritor de Taubaté SP, Monteiro Lobato, um ícone da literatura brasileira, descreveu no livro Urupês, o dia-a-dia e o mundo do remanescente dessa expressão cultural por meio do personagem Jeca Tatu. Lobato foi duro nos adjetivos que usou para descrever o caboclo do interior paulista e espalhou pelo Brasil uma imagem equivocada do caipira:
" Pobre Jéca Tatú ! Como és bonito no romance e feio na realidade! Jéca mercador, Jéca lavrador, Jéca filósofo... Quando comparece às feiras, todo mundo logo advinha o que ele trás: sempre coisas que a natureza derrama pelo mato e ao homem só custa o gesto de espichar a mão e colher (...) Seu grande cuidado é espremer as conseqüências da lei do menor esforço – e nisto vai longe. Começa na morada. Sua casa de sapé e lama faz sorrir os bichos que moram em toca e gargalhar ao joão-de-barro. Pura biboca de bosquimano. Mobília, nenhuma. A cama é uma espipada esteira de peri posta sobre o chão batido. Às vezes se dá ao luxo de um banquinho de três pernas – para os hóspedes. Três pernas permitem equilíbrio; inútil, portanto, meter a quarta, o que ainda o obrigaria a nivelar o chão..." (Urupês, 1918, página 148).
Posteriormente, Lobato se arrependeu das duras críticas que escreveu e pediu desculpas publicamente. Porém, já havia se fixado no imaginário do resto do Brasil uma concepção de caipirismo bem diferente da expressão cultural que, como um autêntico comportamento brasileiro, representa.
Já o também taubateano e cineasta Amácio Mazzaropi apresentou um sertanejo brasileiro esperto e astuto, por meio de uma caricatura bem humorada no filme "JecaTatu", lançado em 1963 e uma de suas produções cinematográficas mais famosas.
Embora todas as cidades do Vale do Paraíba ainda apresentem características dessa cultura nas mais diversas expressões: música, culinária, festas, devoção católica e simplicidade de coração, uma dessas cidades talvez represente um símbolo dessa preservação cultural com muito viço no interior do estado de São Paulo, trata-se de São Luiz do Paraitinga.

Denis Antonio Sertanejos trabalhando em lavoura da zona rural de São Luiz do Paraitinga

São Luiz, como é chamada no Vale do Paraíba Paulista, fica bem no meio do caminho entre Ubatuba, no litoral norte de SP, e Taubaté. A partir de qualquer uma das duas cidades, são percorridos cerca de 45 Km até São Luiz do Paraitinga, que fica encravada na subida de uma ramificação da Serra do Mar.

Vou pedir a licença do prezado leitor, para deixar os moldes formais do jornalismo de lado, e saltar da 3ª pessoa para a 1ª, pois eu mesmo tive a experiência de conhecer São Luiz na sexta-feira (23/11), durante a realização do Festival da Música Brasileira. Era o dia do cantor Chico César apresentar-se, e eu fui apresentado a uma linda arquitetura do século 18, que se distribui por todo o centro histórico; aliás, São Luiz do Paraitinga, com quase 11 mil habitantes, é a cidade que reúne o maior acervo arquitetônico histórico do estado de São Paulo. A cidade também foi o berço do compositor Eupídio dos Santos e do médico sanitarista Oswaldo Cruz.


Acervo arquitetônico do centro histórico durante mais uma festa popular

Outras características marcantes em São Luiz do Paraitinga são a devoção religiosa e as manifestações folclóricas: Festa do Divino Espírito Santo, Semana Santa, Corpus Christi, Festa de São Pedro, Romaria de Cavaleiros, Festival de Música Junina, Festival da Música Raiz Sertaneja, Festival da Música Brasileira, Festival das Marchinhas e o tradicional Carnaval das Marchinhas, onde diversos blocos saem embalados pelas canções típicas do carnaval puro e romântico de antigamente.

O ponto alto de São Luiz literalmente são os boneções, isso mesmo, simpáticos e esguios bonecões que rodopiam no meio do povo. Giram para lá e para cá enquanto uma animada e alegre multidão os acompanha. Os mais famosos, que sempre estão presentes no centro histórico durante os principais eventos folclóricos, são o já lendário casal Maria Angu e João Paulino.

Maria Angu


Porém, no Carnaval, além dos dois, vários bonecões tomam conta das lotadas e estreitas ruas do centro histórico de São Luiz. Esses bonecões já viraram símbolo de referência da cidade.

Os bonecões concentram-se na escadaria da Matriz da cidade...

e saem desfilando junto com o povo pelas ruas

O Carnaval de São Luiz do Paraitinga ficou famoso a partir da década de 1970, quando o promotor de justiça Juca Teles distribuía café com paçoca de carne na manhã do sábado de Carnaval, a fim de fortalecer os foliões. Essa manifestação acontece até hoje, e deu origem ao bloco Juca Teles, que é um dos mais conhecidos e tradicionais da cidade, e conta com seu próprio bonecão Juca Teles para embalar seu desfile.


Denis Antonio

Juca Teles

Outras manifestações do folclore brasileiro muito fortes em São Luiz do Paraitinga estão presentes nas lendas do imaginário popular, como o Lobisomem, a Mula-Sem-Cabeça e o Saci Pererê

Como a festa de Halloweem americana estava ganhando força entre os jovens da cidade, a cultura regional passou a ser valorizada e, assim, foi criado o Raloim Caipira, cujo símbolo é a festa do Saci e o dia do Saci, comemorados na mesma data da manifestação folclórica dos EUA. Na ocasião, a abóbora, que é o símbolo da festa americana, costuma ser preparada com carne seca na cidade.

O Saci também tem um bloco, um time de futebol, um camping e a SOSACI (Sociedade dos Observadores de Saci), que é formada por gente que garante já ter ficado cara-a-cara com o menino negro e travesso que fuma cachimbo.

Voltando à 1ª pessoa, minha estada em São Luiz do Paraitinga, no último dia 23 de novembro, me reservou uma grata surpresa. O relógio já marcava 4h da manhã do dia 24, sábado. O cantor Chico César já tinha se apresentado e a praça Oswaldo Cruz, onde fica a igreja Matriz de São Luiz de Toloza, padroeiro da cidade, já estava bem vazia e de repente, eis que surge andando o consagrado compositor e cantor Zé Geraldo.

Zé pegou o violão de uma das pessoas que estavam sentadas na sarjeta, guia ou meio-fio, sentou-se também e começou a tocar e cantar ali mesmo, dando-nos uma canja musical ao vivo, que foi inclusive compartilhada por um vira-lata que apareceu e enfiou-se no meio daquela roda humana formada pela mistura de luizenses e visitantes que, mesmo surpresos, puderam compartilhar aquele momento tão natural e inesquecível.
Márcia Campos (Reprodução de filmagem)

Zé Geraldo tocando na rua em São Luiz do Paraitinga

Para chegar em São Luiz do Paraitinga, o visitante deve seguir pela rodovia Presidente Dutra até a saída 111, em Taubaté, no trevo que dá acesso à rodovia Oswaldo Cruz, em direção a Ubatuba, e seguir as placas até o acesso a São Luiz. Outra forma de chegar, é vindo pela Rio-Santos (BR 101) e, em Ubatuba, subir a Serra do Mar pela rodovia Oswaldo Cruz em direção a São Luiz.

Assim como todo muçulmano precisa e deve conhecer pelo menos uma vez na vida a cidade de Meca, que fica na Arábia Saudita e é a capital sagrada do mundo islâmico, todo brasileiro deveria conhecer uma vez na vida as cidades de São Luiz do Paraitinga SP, Ouro Preto MG, São João Del Rei MG, Paraty RJ, Olinda PE e muitas outras que guardam em suas existências, manifestações culturais e populações, a essência viva do que se chama Brasil.

Cássio Ribeiro. E-mail: zzaapp@ig.com.br

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