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quinta-feira, 29 de novembro de 2007

SIMPLESMENTE SÃO LUIZ DO PARAITINGA

O Vale do Paraíba Paulista fica entre as serras do Mar e da Mantiqueira, e sua forma alongada lembra uma imensa calha cujas bordas elevadas ficam no alto das duas serras. No fundo dessa depressão longitudinal, corre o rio Paraíba do Sul.
A região, que teve o café como seu principal símbolo de riqueza durante todo o século 19, foi povoada e colonizada por um caboclo que representava o primeiro símbolo do homem tipicamente brasileiro, numa mistura entre portugueses e índios. Era o Bandeirante Paulista, que desbravava, de bacamartes em punho, terras desconhecidas e habitadas até então pelos índios.
Essa mescla cultural entre lusitanos e nativos que originou os Bandeirantes, teve como resultado o homem sertanejo brasileiro da região sudeste, mais precisamente nos interiores dos estados de São Paulo e Minas Gerais, além de parte do Mato Grosso do Sul e do Paraná. Trata-se do caipira.
No início do século 20, em 1918, o consagrado escritor de Taubaté SP, Monteiro Lobato, um ícone da literatura brasileira, descreveu no livro Urupês, o dia-a-dia e o mundo do remanescente dessa expressão cultural por meio do personagem Jeca Tatu. Lobato foi duro nos adjetivos que usou para descrever o caboclo do interior paulista e espalhou pelo Brasil uma imagem equivocada do caipira:
" Pobre Jéca Tatú ! Como és bonito no romance e feio na realidade! Jéca mercador, Jéca lavrador, Jéca filósofo... Quando comparece às feiras, todo mundo logo advinha o que ele trás: sempre coisas que a natureza derrama pelo mato e ao homem só custa o gesto de espichar a mão e colher (...) Seu grande cuidado é espremer as conseqüências da lei do menor esforço – e nisto vai longe. Começa na morada. Sua casa de sapé e lama faz sorrir os bichos que moram em toca e gargalhar ao joão-de-barro. Pura biboca de bosquimano. Mobília, nenhuma. A cama é uma espipada esteira de peri posta sobre o chão batido. Às vezes se dá ao luxo de um banquinho de três pernas – para os hóspedes. Três pernas permitem equilíbrio; inútil, portanto, meter a quarta, o que ainda o obrigaria a nivelar o chão..." (Urupês, 1918, página 148).
Posteriormente, Lobato se arrependeu das duras críticas que escreveu e pediu desculpas publicamente. Porém, já havia se fixado no imaginário do resto do Brasil uma concepção de caipirismo bem diferente da expressão cultural que, como um autêntico comportamento brasileiro, representa.
Já o também taubateano e cineasta Amácio Mazzaropi apresentou um sertanejo brasileiro esperto e astuto, por meio de uma caricatura bem humorada no filme "JecaTatu", lançado em 1963 e uma de suas produções cinematográficas mais famosas.
Embora todas as cidades do Vale do Paraíba ainda apresentem características dessa cultura nas mais diversas expressões: música, culinária, festas, devoção católica e simplicidade de coração, uma dessas cidades talvez represente um símbolo dessa preservação cultural com muito viço no interior do estado de São Paulo, trata-se de São Luiz do Paraitinga.

Denis Antonio Sertanejos trabalhando em lavoura da zona rural de São Luiz do Paraitinga

São Luiz, como é chamada no Vale do Paraíba Paulista, fica bem no meio do caminho entre Ubatuba, no litoral norte de SP, e Taubaté. A partir de qualquer uma das duas cidades, são percorridos cerca de 45 Km até São Luiz do Paraitinga, que fica encravada na subida de uma ramificação da Serra do Mar.

Vou pedir a licença do prezado leitor, para deixar os moldes formais do jornalismo de lado, e saltar da 3ª pessoa para a 1ª, pois eu mesmo tive a experiência de conhecer São Luiz na sexta-feira (23/11), durante a realização do Festival da Música Brasileira. Era o dia do cantor Chico César apresentar-se, e eu fui apresentado a uma linda arquitetura do século 18, que se distribui por todo o centro histórico; aliás, São Luiz do Paraitinga, com quase 11 mil habitantes, é a cidade que reúne o maior acervo arquitetônico histórico do estado de São Paulo. A cidade também foi o berço do compositor Eupídio dos Santos e do médico sanitarista Oswaldo Cruz.


Acervo arquitetônico do centro histórico durante mais uma festa popular

Outras características marcantes em São Luiz do Paraitinga são a devoção religiosa e as manifestações folclóricas: Festa do Divino Espírito Santo, Semana Santa, Corpus Christi, Festa de São Pedro, Romaria de Cavaleiros, Festival de Música Junina, Festival da Música Raiz Sertaneja, Festival da Música Brasileira, Festival das Marchinhas e o tradicional Carnaval das Marchinhas, onde diversos blocos saem embalados pelas canções típicas do carnaval puro e romântico de antigamente.

O ponto alto de São Luiz literalmente são os boneções, isso mesmo, simpáticos e esguios bonecões que rodopiam no meio do povo. Giram para lá e para cá enquanto uma animada e alegre multidão os acompanha. Os mais famosos, que sempre estão presentes no centro histórico durante os principais eventos folclóricos, são o já lendário casal Maria Angu e João Paulino.

Maria Angu


Porém, no Carnaval, além dos dois, vários bonecões tomam conta das lotadas e estreitas ruas do centro histórico de São Luiz. Esses bonecões já viraram símbolo de referência da cidade.

Os bonecões concentram-se na escadaria da Matriz da cidade...

e saem desfilando junto com o povo pelas ruas

O Carnaval de São Luiz do Paraitinga ficou famoso a partir da década de 1970, quando o promotor de justiça Juca Teles distribuía café com paçoca de carne na manhã do sábado de Carnaval, a fim de fortalecer os foliões. Essa manifestação acontece até hoje, e deu origem ao bloco Juca Teles, que é um dos mais conhecidos e tradicionais da cidade, e conta com seu próprio bonecão Juca Teles para embalar seu desfile.


Denis Antonio

Juca Teles

Outras manifestações do folclore brasileiro muito fortes em São Luiz do Paraitinga estão presentes nas lendas do imaginário popular, como o Lobisomem, a Mula-Sem-Cabeça e o Saci Pererê

Como a festa de Halloweem americana estava ganhando força entre os jovens da cidade, a cultura regional passou a ser valorizada e, assim, foi criado o Raloim Caipira, cujo símbolo é a festa do Saci e o dia do Saci, comemorados na mesma data da manifestação folclórica dos EUA. Na ocasião, a abóbora, que é o símbolo da festa americana, costuma ser preparada com carne seca na cidade.

O Saci também tem um bloco, um time de futebol, um camping e a SOSACI (Sociedade dos Observadores de Saci), que é formada por gente que garante já ter ficado cara-a-cara com o menino negro e travesso que fuma cachimbo.

Voltando à 1ª pessoa, minha estada em São Luiz do Paraitinga, no último dia 23 de novembro, me reservou uma grata surpresa. O relógio já marcava 4h da manhã do dia 24, sábado. O cantor Chico César já tinha se apresentado e a praça Oswaldo Cruz, onde fica a igreja Matriz de São Luiz de Toloza, padroeiro da cidade, já estava bem vazia e de repente, eis que surge andando o consagrado compositor e cantor Zé Geraldo.

Zé pegou o violão de uma das pessoas que estavam sentadas na sarjeta, guia ou meio-fio, sentou-se também e começou a tocar e cantar ali mesmo, dando-nos uma canja musical ao vivo, que foi inclusive compartilhada por um vira-lata que apareceu e enfiou-se no meio daquela roda humana formada pela mistura de luizenses e visitantes que, mesmo surpresos, puderam compartilhar aquele momento tão natural e inesquecível.
Márcia Campos (Reprodução de filmagem)

Zé Geraldo tocando na rua em São Luiz do Paraitinga

Para chegar em São Luiz do Paraitinga, o visitante deve seguir pela rodovia Presidente Dutra até a saída 111, em Taubaté, no trevo que dá acesso à rodovia Oswaldo Cruz, em direção a Ubatuba, e seguir as placas até o acesso a São Luiz. Outra forma de chegar, é vindo pela Rio-Santos (BR 101) e, em Ubatuba, subir a Serra do Mar pela rodovia Oswaldo Cruz em direção a São Luiz.

Assim como todo muçulmano precisa e deve conhecer pelo menos uma vez na vida a cidade de Meca, que fica na Arábia Saudita e é a capital sagrada do mundo islâmico, todo brasileiro deveria conhecer uma vez na vida as cidades de São Luiz do Paraitinga SP, Ouro Preto MG, São João Del Rei MG, Paraty RJ, Olinda PE e muitas outras que guardam em suas existências, manifestações culturais e populações, a essência viva do que se chama Brasil.

Cássio Ribeiro. E-mail: zzaapp@ig.com.br

quinta-feira, 22 de novembro de 2007

A TROPICÁLIA OU TROPICALISMO

Imagine um tempo em que nada podia ser dito; principalmente a verdade. Congresso Nacional fechado e imprensa censurada. Foi num mundo assim, ou melhor, num Brasil assim, aquele da Ditadura Militar (1964-1985), que a Tropicália vicejou.

O tropicalismo nasceu quando um grupo de artistas baianos (Caetano Veloso, Gilberto Gil, Tom Zé e o grupo Os Mutantes, que contava na época com uma jovem vocalista chamada Rita Lee), se uniu nas apresentações dos festivais de música popular brasileira, promovidos pelas emissoras de TV, entre os anos de 1967 e 1969.

Na impossibilidade de falar abertamente contra a Ditadura em suas canções, os tropicalistas tinham como principal característica o deboche e a ironia. Não faziam suas críticas de oposição ao regime militar abertamente.

Os tropicalistas reunidos na foto que virou capa do disco "Tropicália", considerado um manifesto do movimento

O deboche por meio da atitude na vestimenta e os arranjos e experimentações exóticas nas canções tropicalistas chocavam o público erudito, acostumado com um padrão musical que a tropicália teve a ousadia de quebrar naqueles anos, mudando assim, de forma indireta e por meio da expressão cultural inovadora, as regras e os padrões estabelecidos como normais na música.

O tropicalismo tinha manifestações de oposição política em seu comportamento e expressão musical, porém, as músicas expressavam oposição à Ditadura de forma indireta, ao acrescentar o acorde hilário de um instrumento musical no meio de uma letra séria. As músicas tropicalistas eram caracterizadas pela iminente introdução de estranhos arranjos, ruídos e sons não comuns nos padrões musicais da época.

A grande influência para o surgimento do tropicalismo na década de 60 veio do Movimento Antropofágico das décadas de 1920 e 1930. Ligado ao Movimento da Arte Moderna, que tinha ícones artísticos e culturais como Oswald de Andrade, Tarsila do Amaral, Mário de Andrade e Anita Malfatti, o Antropofagismo pregava uma absorção das culturas exportadas pelos EUA a e Europa, seguida por uma digestão repleta da introdução de manifestações e valores culturais brasileiros, para em seguida expressar um novo produto cultural modificado e cheio de características nacionais.

A grande diferença entre o Movimento Antropofágico e o Tropicalismo foi que o segundo digeria cultura popular também, enquanto que o primeiro apenas modificava aquilo que era erudito e exportado pelas potências culturais norte americana e européia.


Numa época em que os artistas que faziam oposição ao regime militar eram diretos e incisivos em suas manifestações, o que rendia perseguição, tortura e deportação, o comportamento debochado tropicalista, embora tenha tido contribuições criativas dos maestros Rogério Duprat e Júlio Medaglia, não foi bem aceito pelos intelectuais e por grande parcela da juventude que militava no movimento estudantil de oposição política à Ditadura Militar.

Os tropicalistas foram tachados de alienados por absorverem e fazerem uso de influências culturais dos EUA e da Europa, num tempo em que as manifestações nacionalistas, norteadas pela oposição à Ditadura Militar, não via com bons olhos o que vinha de fora e fugia do tradicionalmente brasileiro.


Com o tempo, os militares perceberam o tom debochado de oposição empregado pelos tropicalistas e, com a prisão e a deportação de Gilberto Gil e Caetano Veloso, o tropicalismo chegou ao fim após uma curta e intensa duração de cerca de 3 anos.


O compositor, cantor, arranjador, ator e eterno tropicalista, Tom Zé

Outras manifestações do tropicalismo também foram observadas nas artes plásticas, no teatro e no cinema, com o chamado Cinema Novo de Glauber Rocha. Atualmente, Tom Zé é um dos principais nomes da Música Popular Brasileira que ainda emprega o estilo tropicalista em suas letras e nos arranjos de suas músicas.

Cássio Ribeiro. E-mail: zzaapp@ig.com.br

quarta-feira, 14 de novembro de 2007

UM DESTEMIDO BRASILEIRO CHAMADO PEPÊ

Início da década de 70. Um grupo de jovens com cabelos compridos, quase sempre alvos de tão louros, graças a combinação de sol e parafina, escorregam sobre as ondas da ponta do Arpoador, no Rio de Janeiro. Um píer erguido para facilitar a construção de um emissário submarino marcava o ponto de encontro daquela garotada pioneira do surf brasileiro que, no início, tanto despertava o preconceito e até atraía a repressão das autoridades da época.

Campeonato de surf no Píer de Ipanema, na década de 70


Surfista naqueles primórdios era sinônimo de desocupado, e a sociedade não via os praticantes do esporte com bons olhos. Quando o clima agitava o mar e fazia massas d’água nada modestas desabarem entre as colunas do Píer do Arpoador, até mesmo os surfistas com mais tarimba preferiam assistir aquele espetáculo da natureza ao longe.

Surgia então um magro e franzino menino de 14 anos correndo por cima do Píer, com sua prancha caseira, de forma irregular, embaixo do braço. Na impossibilidade de entrar remando no mar e chegar até o ponto onde as violentas ondas começavam a se formar, Pedro Paulo Guise Carneiro, o Pepê, saltava da ponta da ponte de atracação no mar revolto para logo em seguida, sozinho, escorregar em alta velocidade por dentro de bravios tubos de água, a alguns metros das rijas colunas do Píer.

Pepê aos 14 anos, durante campeonato mirim de surf em Ubatuba SP

As principais marcas de Pepê sempre foram o destemor, o respeito à natureza e o culto ao corpo (sem o tão empregado sentido de malhação atual), pois Pepê cuidava do corpo naturalmente ao praticar o surf e a alimentação natural, balanceada e equilibrada. Essas características associadas promoveram uma trajetória brilhante e respeitada pelo mundo em várias modalidades dos chamados esportes radicais que Pepê praticou.

Aos 13 anos, em 1970, Pepê foi bi-campeão carioca mirim de hipismo. Aos 15, conquistou o campeonato júnior de surf na praia de Ipanema. Ainda aos 17, viajou para se arriscar nas perigosas ondas tubulares de Pipeline, no Havaí; ocasião em que não tomava conhecimento do tamanho e da periculosidade das massas d’água do arquipélago havaiano, e se lançava na primeira onda que aparecesse. Esse estilo arrojado de surfar fez os havaianos chamarem Pepê de “O Kamikaze”, apenas uma semana após o jovem brasileiro ter chegado ao Havaí.

Com os surfistas João Almeida, à esquerda, e George Prytman, ao fundo

De volta ao Brasil, em 1975, Pepê foi participar do 6º Festival Nacional de Surf, em Saquarema, sua primeira competição que reunia grandes nomes do surf. Resultado: o jovem Pepê, embalado pela temporada recente no Havaí, chegou na bateria final junto com nomes como Rico de Souza, Ricardo Bocão e Otávio Pacheco. Pepê não parou por ai, foi o único dos finalistas que conseguiu vencer o mar agitado daquele dia, e chegar até o ponto de formação das ondas, garantindo a exclusividade de deleite no interior de violentos tubos aquáticos e o título do evento.

O feito de Saquarema rendeu a Pepê um convite para participar do Pipe Masters de 1976, que reunia os 18 melhores surfistas do mundo em um torneio no Havaí. O evento dividia os competidores em 3 grupos de 6, sendo que os dois melhores de cada grupo se classificavam para a grande final, e Pepê estava lá, pois foi o 2º melhor de seu grupo. Na final, o surfista brasileiro ficou em 6º (a melhor colocação de um brasileiro em toda a história do surf), pois pegou uma onda a menos que os outros 5 surfistas participantes da final.


Pepê tranqüilo dentro de um tubo em Pipeline, Havaí


Pioneiro na tendência dos sanduíches naturais
Em 1979, Pepê resolveu mudar de esporte, mas manteve o mesmo estilo arrojado que o consagrou como um dos 20 melhores surfistas do mundo daqueles tempos. O vôo livre passou a ser a nova paixão de Pepê, que agora marcava presença diária na praia do Pepino, em São Conrado, onde as asas-delta pousavam e ainda pousam após os saltos da rampa da Pedra da Gávea.

Nessa época, Pepê, baseado na experiência pela própria prática da alimentação natural, lançou uma moda gastronômica que se tornaria mania da geração saúde do início dos anos 80. Sua barraca de sanduíches naturais na praia do Pepino teria como campeã de vendas uma prática refeição que reunia pasta de frango, beterraba, cenoura, pepino, broto de alfafa, alface e pão integral.

A vida de empresário se alternava com as competições de vôo livre. Em poucos anos de prática com asa-delta, Pepê conquistou o inédito campeonato mundial de vôo livre para o Brasil , em 1981, no Japão. Em 1984, durante um campeonato em Governador Valadares MG, Pepê teve que fazer um pouso forçado devido a uma súbita falta de sustentação em sua asa-delta, e perdeu o baço e um rim. Apesar do acidente, Pepê continuou desafiando a morte em seus vôos destemidos.

Sobrevoando o RJ
Dez anos depois de ter conquistado o campeonato mundial de vôo livre no Japão, Pepê voltou ao país do Sol nascente para tentar o bicampeonato. Era 1991, e a prova final seria um vôo de 100 quilômetros a partir de Wakayama até Kushimoto. Pepê tinha começado o campeonato em 7º e já estava em 2º. O vento era forte e comprometia qualquer possibilidade de vôo seguro. O 1º colocado, um australiano, ainda cogitou o cancelamento da prova, mas Pepê não aceitou a hipótese; queria como sempre, voar em busca do título.

Pepê e o australiano saltaram seguidos por um japonês, que era o 3º colocado. As condições extremamente impróprias permitiram um deslocamento em vôo de apenas 17 quilômetros em 2 horas. Em condições normais, o mesmo tempo permitiria um vôo de 200 quilômetros.

De repente, os três competidores começaram a perder altitude muito rápido. Nosso eterno Menino do Píer, ou melhor, do Rio, chocou-se contra um paredão de rocha. Oito costelas quebradas, hemorragias internas e Pepê ainda gritou o nome dos filhos, João Pedro e Bianca, de 1 e 3 anos na ocasião, e o da esposa, Ana Carolina. O helicóptero de resgate chegou duas horas e meia depois, mas já era tarde. Pepê morreu como sempre viveu, desafiando o perigo. Em 1992, um trecho da praia da Barra da Tijuca e uma avenida no mesmo bairro carioca foram batizados com o seu nome.

Cássio Ribeiro. E-mail: zzaapp@ig.com.br

quarta-feira, 7 de novembro de 2007

O MARACANAÇO DE 1950

Faltam dois anos para realizarmos a Copa do Mundo de 2014. A abertura será realizada no estádio Itaquerão, em São Paulo. Já grande final será jogada no Maracanã, no RJ. Quando o pontapé inicial da 20ª Copa do Mundo for dado no estádio paulista, em 12 de junho de 2014, terão se passado 64 anos desde que o Brasil sediou a outra copa de sua história, que, sem dúvida, entrou definitivamente para a memória dos mundiais de futebol de forma bastante curiosa e trágica para nós.
Duzentas mil pessoas lotavam o Maracanã na tarde do dia 16 de julho de 1950, a fim de verem a Seleção Brasileira pelo menos empatar com o modesto time do Uruguai na ocasião. Se fosse levado em conta o retrospecto das duas seleções durante aquela Copa, o Brasil até já poderia ser aclamado como campeão do mundo bem antes do jogo; e foi ai que morou o perigo.
A Copa de 1950 teve a participação de 13 seleções. Na primeira fase, o Brasil venceu o México por 4 x 0, empatou com a Suíça em 2 x 2 e derrotou a Iugoslávia por 2 x 0. Na segunda fase, foi realizada uma disputa entre os primeiros colocados de cada um dos 4 grupos daquela Copa: Brasil, Espanha, Suécia e Uruguai (A Espanha eliminou a toda poderosa Inglaterra, a Suécia desbancou o Itália e o Uruguai só precisou vencer a fraquíssima seleção da Bolívia por 8 x 0 em Recife, para garantir presença no quadrangular final da segunda fase).
O Brasil foi arrasador na segunda fase da Copa de 1950. Venceu a Espanha por 6 x 1 e a Suécia por 7 x 1; já o Uruguai, conseguiu um empate com a Espanha e uma sofrida vitória por 3 x 2 diante da Suécia, na mesma fase. Sendo assim, Brasil e Uruguai acabaram se enfrentando na partida decisiva do Mundial de 50. Com a embalada Seleção Brasileira precisando apenas de um empate para sagrar-se campeã do mundo, um intenso clima de vitória antecipada tomou conta da imprensa e do povo.
Na manhã do dia da final da Copa de 1950, as primeiras páginas dos jornais estampavam manchetes como: “Brasil campeão” e “Ninguém tira a Copa do Brasil”. A Comissão técnica da seleção uruguaia colou as primeiras páginas na parede do local onde os jogadores uruguaios se reuniam para o desjejum. Nas ruas do Rio de Janeiro, um carnaval se espalhava por todos os lados com gritos contagiantes de “É campeão”!!!!!
A multidão seguiu em festa para lotar o estádio Jornalista Mário Filho (O Maracanã). Eram mais de duzentas mil pessoas que representavam 10% da população carioca naquela época. Jamais outra partida de futebol reuniu tanta gente de uma só vez, em todos os tempos.
Pouco antes do início do jogo, o técnico uruguaio Juan Lopes mandou a equipe jogar de forma defensiva e recuada. Quando o técnico saiu, o jogador e capitão do time, Obdulio Varela, falou para a equipe: "Juancito é um bom homem, mas hoje, ele está errado. Se nós jogarmos defensivamente contra o Brasil, nosso destino não será diferente de Espanha e Suécia." Varela então fez um emocionado discurso sobre como eles precisavam encarar todas as dificuldades e não ser intimidados pela torcida brasileira. O discurso, como depois foi confirmado, teve uma enorme importância no final que teria a partida. Algo que ele disse foi "Muchachos, los de afuera son de palo. Que comience la funcion", que poderia ser traduzido como "Rapazes, quem está do lado de fora não joga. Que comece o jogo".
A partida começou e os uruguaios conseguiram resistir à avalanche de ataques brasileiros durante todo o primeiro tempo, que terminou sem gols. Se o empate já dava a Copa do Mundo de 1950 ao Brasil, aos 2 minutos do segundo tempo, um gol do brasileiro Friaça colocou a Seleção Brasileira muito mais perto de seu primeiro título mundial, e inflamou a imensa torcida.
Novamente, o capitão uruguaio Varela teve importante participação motivadora sobre sua equipe, ao questionar a validade do gol com o juiz, alegando que o jogador brasileiro estava impedido. Após a confirmação do árbitro sobre a validade do gol, Varela pegou a bola, correu para o centro do campo e gritou para os uruguaios: “Agora é a hora de vencer”!!
O Brasil tinha um ataque avassalador, mas as deficiências de sua defesa começaram a aparecer aos 21 minutos do segundo tempo, quando o uruguaio Juan Alberto Schiaffino empatou o jogo. A multidão ficou em silêncio por uns instantes mas logo voltou a se inflamar, pois o Brasil ainda seria campeão com o placar de 1 x 1.
Eram quase 17h daquela tarde do dia 16 de julho de 1950. Ainda faltavam 11 minutos para o fim da partida, e o uruguaio Alcides Edgardo Ghiggia fôra lançado e corria “esticando” a bola pelo lado direito do campo. O goleiro brasileiro Barbosa estava adiantado e o atacante Ghiggia deu um chute seco, rasteiro, e certeiro bem rente à trave direita, no canto esquerdo de Barbosa.

Segundo gol uruguaio, que pôs fim ao sonho brasileiro da conquista da Copa de 1950


o "carrasco" uruguaio Ghiggia
O goleiro mergulhou para trás e ainda tocou a bola antes de cair. Acreditava ter desviado o chute até o momento em que ficou novamente de pé. Percebeu um silêncio que incomodava e a bola no fundo da rede. Final de jogo; 2 x 1 para a seleção uruguaia, a celeste, em alusão ao tom azul claro de seu uniforme.


O presidente da FIFA naquela ocasião, o francês Jules Rimet, falou depois sobre o momento da premiação: “Eu seguia pelo túnel, em direção ao campo. Na saída do túnel, um silêncio desolador havia tomado o lugar de todo aquele júbilo. Não havia guarda de honra, nem hino nacional, nem entrega solene. Achei-me sozinho, no meio da multidão, empurrado para todos os lados, com a Copa debaixo do braço". Rimet precisou chamar o capitão uruguaio Varela para entregar-lhe a taça da Copa.

Na tentativa de justificar a surpreendente e inesperada derrota, muito foi dito pela imprensa especializada posteriormente. Primeiro, o fato de a seleção ter mudado o local da concentração do Joá para o estádio do Vasco da Gama, em São Jenuário. Outros culparam o técnico Flávio Costa por ter obrigado os jogadores brasileiros, na manhã do dia da final, a assistirem uma missa de 2 horas em pé. Porém, O mais criticado e responsabilizado pela derrota foi o goleiro Barbosa.


Varela, Schiaffino e Ghiggia comemoram o título

O goleiro Barbosa

O goleiro contou posteriormente que ao voltar para casa, depois do jogo, encontrou a mesa, que tinha sido preparada pela vizinhança ao ar livre, completamente abandonada. A cena da comida e da bebida do banquete rodeadas por cachorros marcou o goleiro.

Apesar dos anos, Barbosa, hoje falecido, nunca foi perdoado. Em 1993, durante as eliminatórias para a Copa dos Estados Unidos (1994), Barbosa foi visitar a concentração do time de Parreira a fim de dar apoio e ânimo aos jogadores, mas foi proibido de entrar na concentração. Na ocasião, Barbosa comentou: “No Brasil, a pena maior por um crime é de 30 anos de cadeia. Há 43 anos pago por um crime que não cometi”. O ex-goleiro terminou seus dias morando de favor e recebendo uma modesta aposentadoria.


Cássio Ribeiro. E-mail: zzaapp@ig.com.br