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sexta-feira, 21 de dezembro de 2007

O BERÇO DOS ESPECIALISTAS

Um helicóptero modelo H1H da Força Aérea Brasileira pousa sereno e caprichoso sobre o chão de terra batida de uma aldeia indígena isolada no estado do Amapá. Sua grande asa rotativa cheia de vitalidade levanta a poeira do chão e a lança em todas as direções. O motivo da chegada do helicóptero é o resgate de uma criança indígena com suspeita de meningite.

Em São Gabriel da Cachoeira, no estado do Amazonas, um avião da FAB pousa para socorrer e transportar 3 crianças indígenas com sérios problemas respiratórios, causados por uma forte pneumonia.

Decolou um avião modelo C-98 Caravan da FAB, carregado com 1200 quilos de alimentos, cujo destino são as aldeias indígenas de Tiriós e Cuxaré, que ficam isoladas no extremo norte do Brasil, na fronteira com o Suriname. Lá, os índios nem falam português.

Agora o avião precisa ser maior. Trata-se de um modelo C-115 Buffalo da FAB, necessário para subir ao céu com 10 toneladas de carga. São 7 mil livros e uma kombi que vão atender, com serviço de correio e biblioteca, várias cidades do interior do Acre.

É deflagrada a guerra entre Israel e Líbano, em 12 de julho de 2006. Um total de 1668 brasileiros são retirados da linha de tiro do conflito, graças a 14 viagens de resgate realizadas, durante um mês, por aviões Boing 707 da Força Aérea Brasileira. Foi o maior resgate de brasileiros de uma zona de conflito, em toda a história do País.

Um pequeno barco pesqueiro está com problemas no motor. Encontra-se solto no mar do sul do Brasil. Enquanto seus tripulantes desesperados tentam consertá-lo, um imenso navio mercante aproxima-se rápido em exata rota de colisão com o barquinho que está à deriva. Um avião Bandeirante da FAB realiza patrulha aérea naquelas águas brasileiras e seus tripulantes logo percebem, lá de cima, a iminência da trágica colisão. Uma rápida comunicação pelo rádio, a partir do avião, faz o imponente navio mudar sua rota e passar ao lado do pequeno pesqueiro.

Todas essas boas ações reais da Força Aérea Brasileira só aconteceram graças a uma peça fundamental da engrenagem que faz seus aviões voarem; são os Especialistas da Aeronáutica. Meteorologistas, mecânicos de avião, desenhistas, topógrafos, cartógrafos, controladores de tráfego aéreo e muitos outros profissionais que trabalham quase sempre no anonimato, mas produzem certamente a ação final de integração e apoio ao Brasil.

Esses profissionais são formados na Escola de Especialistas de Aeronáutica (EEAr), que é o maior complexo de ensino técnico da América Latina, e fica em Guaratinguetá, no Vale do Paraíba Paulista.

A Marinha e o Exército controlavam a aviação militar do Brasil até 1941, quando foi criado o Ministério da Aeronáutica. Nessa ocasião, todo o ensino técnico do novo Ministério foi centralizado na recém-inaugurada Escola de Especialistas de Aeronáutica, localizada inicialmente na Ponta do Galeão, onde hoje está o Aeroporto Internacional Tom Jobim, no RJ.

Durante a II Guerra Mundial (1939-1945), as limitadas instalações da EEAr no Galeão não possibilitavam a rápida formação de profissionais em número suficiente para atender as atividades da aviação brasileira, que também participava do Conflito.

Com isso, o Brasil recorreu aos Estados Unidos, que enviaram técnicos, professores, administradores e todo acervo didático da nova ETAv (Escola Técnica de Aviação), criada na cidade de São Paulo.

Ao fim da II Guerra Mundial, foi observado que as duas escolas técnicas existentes deveriam ser fundidas em uma única instituição que formasse os profissionais da atividade de aviação no Brasil. O problema maior da fusão das duas escolas era achar uma área ampla que pudesse abrigar as novas instalações. A primeira alternativa foi a cidade de Campinas/SP, mas o custo das novas construções, orçado em duzentos e cinqüenta milhões de cruzeiros na época, inviabilizou o projeto.

Era necessário que já houvesse construções prontas no local onde os equipamentos e o pessoal das duas escolas (EEAr e ETAv) fossem reunidos. Tudo estava certo para que a união das duas escolas fosse localizada na Base de Natal, no Rio Grande do Norte, onde soldados estadunidenses ficaram até o fim da II Guerra.

O destino só foi mudado graças ao prefeito da cidade de Guaratinguetá na época, André Broca Filho, que participava de um congresso em Buenos Aires e ouviu uma conversa entre dois políticos do Rio Grande do Norte, sobre a transferência das duas escolas para aquele Estado.

Broca Filho abandonou o congresso no dia seguinte e voou para São Paulo, a fim de pedir apoio ao Governador na tentativa de abrigar as duas escolas em Guaratinguetá, nas instalações onde funcionava a Escola Pratica de Agricultura e Pecuária, localizada numa área de 10 milhões de metros quadrados, bem no meio do caminho entre RJ e SP.

A EEAr e a ETAv passavam então a ser uma só, e o nome da primeira foi mantido. Nascia, em 1950, a imensa EEAr (Escola de Especialistas de Aeronáutica), até hoje, responsável pela formação dos técnicos da aviação militar brasileira, e carinhosamente chamada de "Berço dos Especialistas".

Vista da EEAr durante a formatura de mais uma turma de Especialistas. O prédio na parte superior da foto sediava a antiga Escola Prática de Agricultura e Agropecuária do estado de SP


Uma curiosidade das instalações, quando ainda abrigavam a Escola Prática de Agricultura e Pecuária do estado de São Paulo, no início da década de 40, foi a existência de um campo de concentração para prisioneiros de guerra onde hoje fica a garagem da EEAr. Durante a II Guerra Mundial, vários alemães e italianos que eram capturados em navios próximos da cidade de Santos/SP, eram levados para aquelas dependências e lá aprisionados. Tinham boa relação com seus carcereiros e foram libertados ao final da II Guerra, em 45.


Garagem da EEAr, onde alguns italianos e alemães ficaram presos por ocasião da II Guerra Mundial, na década de 40, depois que o Brasil declarou guerra aos países do Eixo (Alemanha, Itália e Japão)

Atualmente, homens e mulheres com até 23 anos podem ingressar na Escola de Especialistas por meio de concurso público. O CFS (Curso de Formação de Sargentos Especialistas) é realizado em dois anos e oferece, para candidatos que já possuem o ensino médio completo, 28 opções de especialidades; entre elas, mecânica de avião, meteorologia e cartografia. O EAGS (Estágio de Adaptação à Graduação de Sargento) tem 25 semanas de duração, mas seus alunos já entram para a EEAr com o curso técnico equivalente ao ensino médio em diversas áreas, como enfermagem, informática, administração, radiologia e eletricidade.


Mesmo no inverno, a rotina dos alunos começa às 5h45, com o toque de alvorada. Depois de aulas, atividades físicas e muito estudo, o dia termina às 22h, com o toque de silêncio

Abaixo à direita, o Comandante da Aeronáutica, Tenente-Brigadeiro-do-Ar Juniti Saito, passa a tropa de novos especialistas em revista, durante a última formatura, realizada em novembro de 2007

A última formatura realizada na Escola de Especialistas ocorreu em 30 de novembro de 2007, e entregou ao Brasil 884 novos especialistas em diversas áreas. Foi a maior formatura da história da EEAr, cuja grande novidade foram os 166 sargentos controladores de tráfego aéreo da 1ª turma do novo curso de Controle de Tráfego (Modalidade Especial), criado após os acontecimentos que configuraram a crise do setor aéreo no Brasil.
O curso de Controle de Tráfego (ME) tem duração de 1 ano e é outra oportunidade de ingresso na EEAr, sendo que o domínio da língua inglesa é essencial para a realização das provas. Os alunos da primeira turma tiveram aulas práticas até às 23h durante o curso, e um novo galpão para ensino de Controle de Tráfego foi construído no decorrer de 2007, sendo agora três unidades prediais destinadas ao ensino prático da especialidade na EEAr.

Novo Galpão para aulas práticas de Controle de Tráfego Aéreo, inaugurado em novembro de 2007. Vultoso investimento do Ministério da Defesa contra a crise aérea

Na Escola de Especialistas de Aeronáutica, jovens de todas as partes do Brasil chegam e se misturam num grande dormitório com camas beliches dispostas uma ao lado da outra, geralmente em três fileiras, cercadas por armários azuis com duas portas, uma para cada aluno.

Durante dois anos — o Curso de Formação de Sargentos Especialistas (CFS) é realizado em 4 séries de seis meses — cerca de 100 jovens convivem num ambiente onde os costumes e as manifestações culturais se misturam. Num canto os gaúchos, sempre muito unidos, no outro os cariocas e seu funk que ecoa aos 4 ventos. Nordestinos, paraenses, paulistanos e goianos completam a mistura. Cada um recebe um pouco da influencia cultural dos costumes do outro. Sem dúvida, cada grande alojamento da EEAr, seja ele feminino ou masculino, reúne uma salada de brasilidade.

Quando todos estão em forma com a mesma farda azul da Aeronáutica, as diferenças regionais desaparecem e ocorre uma fusão que origina simplesmente brasileiros prontos para, em qualquer ponto do Brasil, seja meio-dia ou meia-noite, fazer o melhor dentro das possibilidades oferecidas pelo Estado.


Alunos da EEAr em forma. Brasileiros de todas as partes do País em uma tropa homogênea nos ideais

No atual cenário político mundial globalizado, e na dinâmica realidade cultural a que o Brasil de hoje chegou, as novas gerações de militares buscam, muitas vezes de maneiras inconscientes, por simples instinto, senão corrigir, pelo menos mudar aquela visão que ficou manchada pelas torturas, perseguições políticas e pelos assassinatos cometidos por nossa ferrenha Ditadura Militar (64-85). Os tempos são outros, os militares de hoje são outros, o Brasil é outro e a ação, é o bem. O bem-fazer voar dos Especialistas, que possibilita o bem-fazer da Força Aérea Brasileira nos mais variados aspectos.

Cássio Ribeiro. E-mail: zzaapp@ig.com.br

6 Comentários:

  • Parabéns Cassio, muito bom!!!
    Da gosto de ler assuntos interessantes e bem escritos.
    Continue assim.
    Parabens!!

    Por Blogger Unknown, às 27 de dezembro de 2007 às 20:03  

  • Fala Grande Renan!! Agradeço o comentário e espero que volte sempre. Um abração amigo!

    Por Blogger Cássio Ribeiro, às 6 de janeiro de 2008 às 05:30  

  • Parabéns Cássio, um artigo como o seu sobre a Escola me enche de orgulho, por também ter tido esse berço e dever à Força Aérea tudo que hoje tenho.
    Amarela 80.
    Major Médico Dorivaldo Rodrigues Carvalho.
    dermatus@cremerj.org.br

    Por Blogger Dorivaldo Rodrigues Carvalho, às 25 de julho de 2008 às 15:05  

  • Cássio, foi muito útil poder ver onde minha filha está. Obrigada por proporcionar essa oportunidade.
    Parabéns pelo artigo

    Por Blogger Unknown, às 6 de fevereiro de 2010 às 16:36  

  • Excelente artigo, sou filha de um ex-especialista da ETAv, na década de 46. Meu pai hoje é falecido. Ele sempre me contava histórias e experiências mil, quando fazia o curso em São Paulo, quando voltou para Campo Grande, foi promovido, ainda trabalhou e só foi para a reserva na década de 60 se não me engano. Gostaria de interagir com algum descendente de militar que frequentou essa importantíssima escola de aviação, a primeira no Brasil, tenho muitas fotos do meu pai em sua juventude, com seus colegas e em plena execução de suas atividades nessa escola.

    Por Blogger Regina, às 25 de abril de 2014 às 14:55  


  • Magnífico, preciso e bem estudado texto. Peço autorização para reproduzí-lo, conferindo os devidos créditos, na página dos Veteranos do CFS, ETAV e EEAer, estendendo a todos os Veteranos a participar do nosso Encontro Virtual no Facebook: https://www.facebook.com/groups/veteranoseear/

    http://www.veteranoseear.org/

    Forte Abraço

    Aluno 77-1183 - CURVÊLO - Turma 171 - BRANCA - Ago77/Jul79



    Por Blogger Curvêlo, às 2 de setembro de 2015 às 16:17  

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