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domingo, 6 de janeiro de 2008

UM GIRO POR DENTRO DO RALI DAKAR

Era para ter sido escrito a partir do dia 5 de janeiro de 2008, sábado, mais um capítulo da história daquele que é o mais famoso e tradicional Rali do mundo. Porém, junto com as dunas, as pedras, os buracos, a dor, o medo, a fome, a sede, o calor de mais de 45 graus do dia e o frio da noite, que precisam ser superados durante os mais de 9 mil quilômetros a serem percorridos em pleno Deserto do Saara, um perigo a mais presente na competição 2008 do Rali Dakar, conhecido também como o "Rali da Morte", acabou fazendo a organização do evento cancelar aquela que seria a histórica 30ª edição do Rali.

Competidores descansam no intervalo entre duas etapas do Rali Dakar

O governo da França avisou ao diretor do Rali Dakar 2008, o francês Etienne Lavigne, que terroristas fizeram ameaças aos competidores do Rali, sem que pudessem ser especificadas as prováveis etapas da competição onde ocorreriam os ataques. Durante o trecho do Rali que corta o Deserto do Saara, no noroeste da África, os competidores de diversas nacionalidades ficam indefesos durante horas em seus carros, motos e caminhões, expostos e cercados por cenários formados por dunas em todos os 15 dias da competição em média.


Por horas durante o Rali, os participantes são presas fáceis...

para os fundamentalistas islâmicos, como nesse trecho dentro do leito de um rio seco no deserto

Apesar das ameaças terroristas, que até já ocorreram em anos anteriores, mas nunca ocasionaram o cancelamento da competição, o ponto fundamental que impediu a realização do Rali Dakar 2008 foi o assassinato de 4 turistas franceses no último dia 28 de dezembro na Mauritânia, que é um país localizado no noroeste da África e cujo deserto é cortado por grande parte do percurso do Rali.



Logo que cruza o Estreito de Gibraltar e entra na África, o percurso deriva para o Oeste a fim de evitar o território argelino, mas a passagem pela Mauritânia representa perigo iminente para os competidores atualmente

O assassinato dos 4 franceses naquela região foi atribuído ao grupo Islâmico Salafista Para Pregação e o Combate, que teve origem na Argélia e atua em todo o norte da África, além de ser ligado a organização Al-Qaeda de Osama Bin Laden, desde 2002.


Bandeira do Grupo Islâmico Salafista, braço armado da Al-Qaeda no norte da África

O 30º Rali Dakar 2008 teria início na cidade portuguesa de Lisboa, em frente ao Mosteiro dos Jerônimos, e terminaria em 20 de janeiro no oeste da África, na capital do Senegal, Dakar. Antes do cancelamento do Rali Dakar 2008, a organização do evento ainda pensou em uma prova mais curta, que terminasse no Marrocos; porém, o governo francês recomendou que o Rali nem fosse iniciado.

O diretor do Rali Dakar, Etienne Lavigne, já admitiu que a partir de 2009 o evento poderá ter seu percurso alterado, deixando definitivamente de passar pelo território do continente africano. Será uma mudança significativa no trajeto histórico do Rali, que surgiu de forma curiosa a partir da ocasião em que o francês Thierry Sabine, em 1977, ficou perdido no deserto do norte da África, e decidiu que o local seria ótimo para a realização de um Rali anual. A primeira edição foi realizada um ano depois, entre dezembro de 1978 e janeiro de 1979 — dos 170 participantes que saíram de Paris na edição inaugural, só 69 concluíram o Rali em Dakar.

A partir de então até a edição cancelada de 2008, o tradicional Rali, que é a maior e mais dura prova automobilística do mundo e reúne cerca de 500 veículos entre as categorias caminhão, carro e moto, nunca deixou de ser realizado.

Os acidentes são constantes nas edições do também chamado "Rali da Morte"


A areia fina das dunas do Saara, muitas vezes revela-se uma armadilha durantre os deslocamentos que chegam a ultrapassar os 150 Km/h

O evento ficou famoso em todo o mundo com o nome do trajeto inicial, Rali Paris-Dakar; mas ao longo dos anos, por razões políticas, de segurança e de patrocínio, sofreu alterações nos locais de início e término, chegando até a se estender de Dakar ao Egito, em algumas edições. A Argélia, por questões de instabilidade interna, acabou ficando definitivamente de fora do trajeto.


Piloto e navegador, que segue com um mapa estudando a melhor opção para cumprir cada etapa no menor tempo, devem estar entrosados como em uma dança. No deserto do Marrocos por exemplo, que é cheio de pedras de todos os tamanhos, um erro pode representar a despedida Rali, e muitas vezes da própria vida

Na edição cancelada de 2008, o Brasil seria representado por 10 competidores (4 em motos, 4 em carros e 2 em caminhões), cujo destaque é o experiente André Azevedo, que é assíduo participante da categoria caminhões do Rali Dakar desde 1999, ano em que estreou dando ao Brasil uma colocação no pódio, com a conquista 3º lugar. Em 2007, André Azevedo ficou na 5ª colocação geral da categoria caminhões.


André Azevedo, sinônimo de presença brasileira no Rali desde 1999...

e seu robusto caminhão da Equipe Tatra, fabricado na República Checa. O modelo é equipado com sistema para inflar os pneus em movimento, caso furem durante uma etapa no meio do Deserto do Saara

Uma outra faceta do Rali Dakar, muito criticada, é aquela observada pelos que analisam o evento como uma agressão ao pobre continente africano, repleto de fome e epidemias. O próprio título oficial do evento "Euromilhões Lisboa-Dakar" deixa claro um triste contraste expresso quando os carros, as motos e os caminhões das marcas líderes do mercado automobilístico mundial passam pelas vilas pobres do interior árido norte-africano e suas populações de humildes tuaregues.

Registro da chegada da edição 2007 do Euromilhões Lisboa-Dakar ...

Um triste contraste com a condição econômica e social das populações africanas

Quando os carros, as motos e os caminhões percorrem os 20 quilômetros da última etapa do Rali Dakar, junto ao Atlântico e já dentro do território do Senegal, na costa oeste africana, rumo à linha de chegada em Dakar, estão batidos, remendados e com o motor cansado, mas podem ser trocados.

Os últimos 20 quilômetros do Rali Dakar são na verdade uma festa, uma grande festa dos países ricos e líderes da economia mundial, representados por seus competidores que, mesmo exaustos, conseguiram percorrer os mais de 9 mil quilômetros do Deserto do Saara, vencendo o medo, o frio, a dor, o calor, a sede e a fome. Tudo meramente transitório. Deixam para trás toda uma realidade humana e social que não se repete só em períodos anuais, como uma festa, e nem pode ser subitamente cancelada.

Cássio Ribeiro. E-mail: zzaapp@ig.com.br

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