A REVOLTA DOS 18 DO FORTE DE COPACABANA
A Primeira República ou República Velha foi instaurada em 1889, graças à aliança entre militares e fazendeiros de café. A classe militar desejava a implantação de um regime republicano representado por um poder centralizado e forte. Já os grandes cafeicultores queriam um sistema republicano federalista, onde cada estado teria autonomia econômica, como também uma administração política regionalizada.
Como os fazendeiros de café formavam a classe mais rica da sociedade brasileira naquela época, não foi difícil suas aspirações serem implantadas nos moldes políticos brasileiros da República Velha.
Dos 13 presidentes que o Brasil teve no período da República Velha (1889-1930), só 3 eram militares. Quase todos os 10 presidentes civis que governaram o Brasil naquele período eram bacharéis em direito formados pela Faculdade de Direito de São Paulo, onde havia também uma sociedade maçônica secreta, da qual todos os ex-presidentes civis também faziam parte.
No fundo, pode-se dizer que a República Velha era uma repetição dos moldes administrativos do Império. No lugar da Família Real, os ricos fazendeiros mineiros e paulistas se sucediam no poder da República do "Café com Leite".
No meio dessa sucessão presidencial entre representantes de Minas e São Paulo, que eram os dois estados mais ricos da Federação, o marechal Hermes da Fonseca foi eleito para governar o Brasil entre 1910 e 1914, sendo um presidente militar no meio da hegemônica alternância entre ricos fazendeiros mineiros e paulistas. Hermes da Fonseca era sobrinho do marechal Deodoro da Fonseca, que proclamou a República no Brasil, em 15 de novembro de 1889, e foi o primeiro presidente nacional.
Nas eleições de 1910, São Paulo e Bahia apoiaram Rui Barbosa por meio da "Campanha Civilista", que associava Hermes da Fonseca ao militarismo. O Marechal Hermes venceu mas, ao fim de seu mandato, em 1914, a antiga política de divisão do poder entre as oligarquias paulista e mineira foi retomada.
O cenário político brasileiro começou a ferver quando o jornal Correio da Manhã publicou na edição de 9 de outubro de 1921, uma carta manuscrita atribuída ao candidato dos fazendeiros, Artur Bernardes. Na carta, o ex-presidente marechal Hermes da Fonseca foi classificado como um "sargentão sem compostura", e o Exército chamado de "antro de corruptos".
Nesse cenário, que garantia o domínio do país pelos fazendeiros paulistas e mineiros, além da concentração populacional nas zonas rurais e intensa miséria nos meios urbanos, o povo saiu às ruas para protestar e exigir mudanças. O Exército foi convocado para conter rebeliões populares em Pernambuco. Em 29 de junho e 1922, o marechal Hermes da Fonseca, que era a mais alta patente do Exército na ocasião, enviou uma mensagem de telégrafo ao Recife dando a ordem para que os militares não reprimissem o povo. O marechal Hermes acabou preso em 2 de julho por ordem do presidente Epitácio Pessoa. O Clube Militar, que era presidido pelo marechal Hermes, também foi fechado.
O sentimento de afronta tomou conta das fileiras do Exército. O clima esquentou ainda mais quando o presidente Epitácio Pessoa nomeou o historiador e civil Pandiá Calógeras para o cargo de Ministro da Guerra.
O Forte de Copacabana era comandado na ocasião pelo capitão Euclides Hermes da Fonseca, que era filho do ex-presidente preso, marechal Hermes da Fonseca. Em julho de 1922, o Forte de Copacabana tinha 301 homens sob o comando do capitão Euclides Hermes.
No dia 4 de julho de 1922, os soldados do Forte cavaram trincheiras e minaram o terreno do interior do quartel em Copacabana. Todos os quartéis do Exército no Rio de Janeiro se rebelariam contra o presidente Epitácio Pessoa e seu sucessor, Artur Bernardes. A revolta começaria pelo Forte de Copacabana que, na madrugada do dia 5 de julho de 1922, iria disparar um tiro de canhão como senha para o início do levante. Os outros quartéis deveriam responder ao primeiro tiro do Forte de Copacabana logo em seguida.
Conforme o combinado, à 1h30 da madrugada do dia 5 de julho de 1922, o tenente Siqueira Campos disparou um dos canhões do Forte de Copacabana. A resposta dos outros quartéis não aconteceu e nada mais que o silêncio foi ouvido em seguida. O tenente Siqueira Campos esperou 10 minutos e gritou bem alto dentro do Forte: "Fomos traídos!"
Os canhões Krupp do Forte foram trazidos da Alemanha pela Marinha do Brasil. Desembarcados por guindastes elétricos de 80 toneladas, os canhões Krupp do Forte de Copacabana são 6 no total: dois de 305 milímetros, dois de 190 mílimetros e dois de 75 milímetros, com alcances de 23, 18 e 7 quilômetros respectivamente
Vista aérea do Forte de Copacabana por dois ângulos: com o morro Dois Irmãos e a Pedra da Gávea ao longe ...
e com águas calmas ao redor e a praia de Copacabana à direita
Siqueira Campos diria na ocasião: "Não temos o apoio de ninguém, perdemos a revolução. Não vou enganar ninguém, perdemos a revolução e só nos restam dois caminhos. O primeiro é nos entregarmos como covardes, e o segundo é sairmos por aí lutando até não podermos mais e morrer ou conseguir chegar até o Catete para dizer ao presidente da República do nosso repúdio. Mas também não quero levar ninguém ao suicídio. Quem quiser abandonar o forte, ainda está em tempo."
Foram dados 10 minutos de prazo para a decisão dos homens. Quem optasse por lutar, deveria ficar de um lado do quartel. Os outros poderiam sair do Forte. Os portões do Forte foram abertos e, dos 302 homens amotinados, 273 optaram pela rendição.
Um destróier e os couraçados São Paulo e Minas Gerais reforçaram o bombardeio ao Forte, onde ainda resistiam o capitão Euclides Hermes e seus 28 fiéis comandados. O ministro Calógeras deu outro telefonema ao Forte de Copacabana e exigiu a rendição incondicional, afirmando que, em caso contrário, todos os rebeldes seriam massacrados.
O capitão Euclides Hermes deixou o Forte e foi ao encontro do ministro Calógeras para conversar pessoalmente, mas, ao chegar no Palácio do Catete, onde estava o Ministro, foi preso imediatamente.
No Forte de Copacabana, ainda estavam 28 rebelados. O Tenente Siqueira Campos tomou então a decisão histórica: sair numa marcha suicida pela Avenida Atlântica rumo ao Palácio do Catete, a fim de concluir e deposição do Presidente Epitácio Pessoa.
Antes de saírem do Forte de Copacabana, os militares usaram um canivete para dividirem entre si uma bandeira do Brasil em 29 pedaços. Cada um colocou seu pedaço junto ao peito, preso na parte interna da farda. Um dos pedaços foi guardado para ser entregue ao capitão Euclides Hermes posteriormente.
Os portões do Forte de Copacabana foram abertos às 13 horas do dia 6 de julho de 1922. A histórica marcha suicida pela Avenida Atlântica teve inicio com 28 militares rebeldes armados com seus fuzis. Alguns debandaram, outros foram presos, esse e aquele morreu baleado. Curiosamente, o engenheiro civil gaúcho Otávio Correia, vestindo terno e chapéu, presenciava os combates e resolveu integrar-se ao levante. Pegou um fuzil e se juntou aos 18 militares revoltosos que ainda resistiam.
A histórica foto da marcha final dos rebelados do Forte de Copacabana. O civil Otávio Correia é o quarto da esquerda para direita
Outro registro da histórica caminhada suicida rumo ao combate final com as tropas do Exército leais ao presidente Epitácio Pessoa
Os últimos tiroteios duraram cerca de meia hora. Cercados por 3 mil homens do Exército, já nas proximidades do Leme, os 18 militares e o civil foram abatidos um a um. Só os dois últimos, os tenentes Siqueira Campos e Eduardo Gomes, foram capturados baleados e sobreviveram.
O jornalista Assis Chateaubriand (1892-1968) acompanhou o episódio e escreveria posteriormente: "Na praia eu assisti de perto os últimos combates, e pude ver a areia ainda quente, embebida do sangue dos bravos que sucumbiram de um lado e de outro".
Da histórica Revolta dos 18 do Forte de Copacabana nasceria um movimento militar que influenciaria na vida política brasileira por 4 décadas depois dos anos 20, o Tenentismo.
Oito anos mais tarde, em 1930, os tenentes apoiaram Getúlio Vargas na derrubada da República Velha. Nascia assim a República Nova de Vargas. Porém, o Tenentismo e a Era Vargas são temas para outras edições desta coluna. Alguns historiadores afirmam que o Tenentismo e suas idéias permaneceram até a década de 1970, quando seus últimos representantes morreram.
Não se pode deixar de lembrar aqui que muitos dos generais que conspiraram para depor o presidente João Goulart no Golpe Militar de 1964, eram os tenentes das décadas de 20 e 30 que "amadureceram" e, finalmente, ao atingirem o generalato, calaram covardemente o Brasil, torturando e sufocando sua democracia.
Cássio Ribeiro. E-mail: zzaapp@ig.com.br
6 Comentários:
Sou professora de História e gostei muito do seu texto sobre a Revolta dos 18 do Forte. Está claro, objetivo e carregado de emoção.
Parabéns!
Por Unknown, às 8 de setembro de 2008 às 07:21
a minha professora nei espirca rireito
Por Unknown, às 17 de março de 2009 às 10:43
Que democracia haveria com Joao Goulart? Já parou pra pensar? A "democracia" de um Estado de esquerda, sem partidos, Cuba já basta uma.
Por Strider, às 17 de junho de 2009 às 03:14
gostaria de saber os nomes do militares da época -no golpe de 64.
Por Unknown, às 28 de julho de 2009 às 10:50
Mas econômicamente outra China acho que seria bem interessante.
Cássio.
Por Cássio Ribeiro, às 17 de julho de 2011 às 23:55
Hoje no Brasil, falta mais gente de coragem igual a eles...
Por Unknown, às 7 de agosto de 2012 às 10:56
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