O RIO PARAÍBA DO SUL DA NASCENTE À FOZ
O personagem mais antigo e importante do Vale surge dentro de uma grota coberta por densa vegetação. A água sai do chão e começa a correr por uma pequena valeta na parte mais baixa do terreno, num modesto fluxo com a mesma intensidade daqueles dos cantos de rua em dias de chuvas fracas.
"A água das chuvas se infiltra nas regiões mais altas e satura o solo. Em determinado ponto do terreno com característica côncava, a água aflora muitas vezes repleta de minerais que entrou em contato nas camadas subterrâneas durante a infiltração", explica o geógrafo Fábio Cox, de Guaratinguetá.
Para chegar à nascente, deve-se seguir pela rodovia Presidente Dutra até o trevo que fica próximo à cidade de Cachoeira Paulista/SP e, a partir daí, rumar em direção a Silveiras/SP pela rodovia SP-66. No portal da cidade, o turista deve entrar à direita e seguir em direção ao Bairro dos Macacos. A rodovia é asfaltada, porém, sem acostamento e muito sinuosa. São 30 quilômetros de percurso que sobe a Serra da Quebra Cangalha, passa pelo lugarejo Bom Jesus e chega ao Bairro dos Macacos, que possui cerca de 600 habitantes.
O Bairro dos Macacos parece perdido e encravado no meio da serra. No local, o guia perfeito para a subida até à nascente do rio Paraíba é seu Helinho Mecânico. Fazendo jus ao apelido, o quintal de seu Helinho Mecânico é cheio de carros em pedaços: um fusca completamente retalhado, outro sem motor e um terceiro aparentemente inteiro; além de dois jipes, um de fabricação nacional e outro norte-americano. O mato por cortar invade carcaças em pleno clima frio das escarpas da serra da Bocaina.
Seu Helinho Mecânico é muito falante. Com seu inseparável boné azul, enquanto esquenta a água em uma chaleira sobre o fogão à lenha para fazer café, se alegra ao falar sobre a nascente. Conta que o volume de água onde brota o Paraíba nunca se alterou, mesmo nas estiagens mais rigorosas. Revela ainda que próximo à nascente vive um personagem solitário: seu José Lima, sujeito de pele escura que se retira para trabalhar na roça durante o dia, e que também costuma conversar com um velho rádio AM, concordando com as ofertas anunciadas e debatendo com o aparelho quando discorda de alguma notícia.
No percurso até a nascente, que tem início no Bairro dos Macacos, são mais 26 quilômetros de estrada não pavimentada, que se embrenha pela Serra da Bocaina adentro. Outra dica de seu Helinho Mecânico é subir com fusca ou jipe bem cedo, após o raiar do dia, pois no fim das tardes de primavera e verão, as chuvas costumam castigar o alto dos Campos da Bocaina. A água misturada com o barro da estrada termina em atoleiro certo.
A vista do Alto da Bocaina compensa o esforço da subida. Pode-se observar, bem abaixo, a Serra da Quebra Cangalha e o Vale do Paraíba Paulista ao norte coberto por densa bruma. Ao fundo, a Serra da Mantiqueira forma generosa moldura elaborada pela natureza. Os Campos de Cunha estão a oeste e os cumes da Serra do Mar completam a esplendorosa vista ao sul.
O outro formador do rio Paraíba do Sul é o Paraibuna, que nasce no Bairro da Aparição, na região dos Campos de Cunha, bem mais abaixo que a nascente considerada a principal, na Serra da Bocaina. O nome Paraibuna quer dizer rio de águas turvas na língua indígena. "Apesar de limpo, o rio nasce em uma região rica em sedimentos que escurecem a água", diz o ambientalista Fernando Celso, de Guaratinguetá, que desenvolve o projeto de elaboração de um livro sobre o Rio Paraíba do Sul, abordando seus aspectos da nascente à foz.
O Paraitinga e o Paraibuna são represados e formam o lago da barragem de Paraibuna. O curso d’água que surge na vazão da represa é o rio Paraíba do Sul, que corre para o oeste, na direção da cidade de São Paulo e, curiosamente, a apenas 18 quilômetros do curso do rio Tietê, é impedido de tornar-se um afluente deste pela elevação do Planalto Paulista.
Por um capricho da natureza, que parece conspirar para que o Paraíba percorra longo caminho até o mar, o Rio faz a famosa curva de Guararema e entra no Vale a que dá nome, fazendo um giro de 180º e correndo para o leste, novamente na direção onde está sua nascente.
No sentido literal da expressão, o Vale do Paraíba parece mesmo pertencer ao rio Paraíba, que corre calmo, serpenteando pelo fundo da grande depressão longitudinal existente entre as Serras da Mantiqueira e do Mar.
Na bacia do médio Paraíba, que se estende de Guararema/SP até Cachoeira Paulista/SP, a declividade média do curso d’água é de 19 centímetros por quilômetro, e as principais atividades econômicas são a agropecuária e a industrial. A baixa declividade faz o Paraíba correr de forma sinuosa. A navegação é impedida por saltos, corredeiras rasas e alguns trechos curtíssimos de alta declividade.
Apesar da intensa poluição no trecho paulista do Paraíba do Sul ...
O Paraíba do Sul, com seu volume de água e números estatísticos gigantes, chega ao norte do estado do Rio de Janeiro. Recebe seus dois últimos e maiores afluentes: os rios Pomba e Muriaé. Passa pelas cidades de São Fidélis e Campos dos Goytacazes, que estão há 12 horas de viagem por rodovia, a partir do Vale do Paraíba Paulista, e chega sereno ao 'fim'de uma longa vida, encontrando o mar em São João da Barra. Trata-se do segundo maior deságüe em forma de delta da América do Sul.
Imagem de satétilte com o registro do curso final do rio Paraíba do Sul. No deságüe, em São João da Barra, pode-se observar a coloração alaranjada da água do mar, que é resultante da grande quantidade de sedimentos barrentos levados pelo Paraíba até seu encontro com o Oceano Atlântico
Outra imagem de satélite em escala maior que a anterior, mostra o detalhe da foz do rio Paraíba, que é o segundo deságüe em forma de delta da América do Sul
Depois de serem maltratadas pelo homem durante todo seu trajeto, ao receberem esgoto, lixo doméstico, hospitalar, industrial e produtos químicos, as águas do rio Paraíba do Sul, assim como as do rio Tietê em São Paulo, se recompõem parcialmente por meio da própria magia da natureza, quase que por um instinto de sobrevivência natural capaz de preservar a vida do personagem que ajudou a escrever, seja no seu leito com a descoberta da imagem de Nossa Senhora Aparecida, ou em suas margens com o desenvolvimento das cidades por onde passa, uma parte significativa da História do Brasil.
Cássio Ribeiro.
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3 Comentários:
Muito bom. Matou minha curiosidade. Uma coisa interessante é o município de Volta Redonda que tem esse nome por causa da volta que o rio faz. Lá também há um bairro chamado Ilha São João que é uma ilha bem grande no meio do rio que se divide em dois.
Por Eduardo, às 19 de novembro de 2008 às 14:51
Parabéns!!!!Seus relatos e descrições são uma verdadeira aula de geografia.
Por surendra, às 4 de agosto de 2009 às 19:33
Cassio Ribeiro, parabéns pela excelente reportagem que fez a respeito do Rio Paraíba do Sul.
Eu sou Lino Chiapinotto, moro em Taubaté, empresário nesta cidade, estudante da Faculdade de Roseira, no Curso de Processos Ambientais.
Às vezes me dá a impressão de que o homem não merece usufruir das beneces da natureza haja visto o descaso dispensado à sua preservação.
Precisamos ser mais inteligentes no que tange ao uso dos recursos hídricos. Recuperar a cobertora do solo nas margnes do rio, ou seja, as matas ciliares, até mesmo em não se jogar mais o esgoto doméstico no seu leito.
Devemos nos preocupar mais com isto, mesmo porque a bacia do Rio Paraíba do Sul, com seus 57000 km2 e com quase 1400 km de estensão desde a sua nascente até a foz, atravessando por 3 estados da Região Sudeste, que são os mais ricos, populosos e industrializdos do Brasil, bastecendo aproximadamente 13,5 milhões de pessoas, será em breve também abastecedor da metróple de São Paulo, gerador de energia elétrica com suas duas novas usinas hidrelétricas, é uma das mais importantes bacias do Brasil.
Partindo deste princípio, nos preocupa a inércia nas tomadas de decisão a respeito de sua preservação.
Preservar seria o mínimo suficiente. O correto seria além de preservar: melhorar prevendo uma maior demanda dos seus recursos num futuro próximo.
Por Unknown, às 20 de setembro de 2009 às 20:35
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